INTRODUÇÃO
A
preocupação com o Património Cultural constitui hoje um tema de discussão muito
abrangente, que tem assumido uma preponderância cada vez mais significativa na
designada economia global.
É possível
rentabilizar o Património? Encontrar soluções de equilíbrio que permitam a
conservação de espaços com valor patrimonial e a sua necessária fruição por
parte de públicos cada vez mais exigentes e críticos parece ser o desígnio dos
agentes com responsabilidade nesta matéria.
O debate dos
temas ligados ao Património é cada vez mais mediático, absorvendo as atenções
dos discursos de inúmeros quadrantes da nossa sociedade (educativo, comunicação
social, político, etc.), assistindo-se, também por isso, a uma crescente
consciencialização de que a todos incumbe a protecção e divulgação dos bens de
valor patrimonial. Esta consciencialização deve ser particularmente estimulada
em Vila Viçosa, pelo que se deve fomentar um interesse e uma preocupação cada vez
maiores pelo desenvolvimento de acções conducentes à salvaguarda do património.
A herança
cultural necessita cada vez de ser encarada como um potencial pólo de
desenvolvimento económico, de acordo com uma estratégia de preservação
conjugada com a possibilidade de usufruto desse legado por parte dos diferentes
segmentos da população.
Para que
esta missão possa ser desenvolvida de acordo com boas práticas de gestão,
torna-se necessário que os bens patrimoniais em avançado estado de degradação
possam ser alvo de intervenções que permitam a sua reabilitação e que, a partir
desse momento, sejam estabelecidas políticas objectivas por parte das
diferentes tutelas para potenciar a sua rentabilização. Devem ser criadas
metodologias de conservação dinâmica de património, preservando-o de forma a
respeitar a sua evolução e interpretando-o com uma visão alargada e
transversal.
É urgente
que a sociedade civil encare o Património como um eixo vital para o
desenvolvimento, através de acções de valorização e consciencialização e creio
que é esse o caminho a seguir. É vital que sejam definidos planos concretos em
termos de desenvolvimento sustentável local, de acordo com as referências
identitárias para da região. A criação de plataformas de diálogo e de parcerias
entre as diferentes tutelas e agentes culturais terá como consequência directa
a implementação de medidas e soluções concretas para a preservação do
património colectivo.
Desde as
últimas décadas do século XX até ao presente, a par da extensão do conceito de
património, estamos perante um notável incremento de projectos de reutilização,
com a atribuição, ao património, de novos usos, tendo por paradigma a sua
utilidade social, com a emergência de uma nova economia e a conceptualização e
experimentação de novos modelos de gestão do património.
Em
consequência do alargamento da acção e da influência das diversas tipologias de
património cultural, não só se conquistam novos públicos, como se desenham e
rapidamente se vêem evoluir novos percursos de envolvimento das pessoas e das
comunidade(s) com o património, dando lugar a crescentes exigências de ordem
política e também de ordem técnica, no que concerne a sua protecção e a sua
valorização.
De facto, só
com reais preocupações de gestão, de manutenção e de entradas de receitas se
poderá abandonar o estado permanente de intervenções de emergência, ou de
intervenções para efeitos de inauguração e assim, programar o dia seguinte, o
ano seguinte, o triénio seguinte da vida de determinado património. Pensando
nas pessoas – todas e não apenas naquelas que trabalham directamente nesse
mesmo legado – criando formas de usufruto diversificado e minimamente rentável
(tendo em conta o estado embrionário em que ainda nos encontramos neste domínio
no nosso país), sendo imaginativos e pedagógicos na forma de dar a conhecer o
património, criando uma cultura de responsabilidade local em primeiro lugar e
institucional de seguida, poderemos abrir com segurança as portas de mais
património e ter a certeza que permanecerão abertas no dia seguinte.
O presente
trabalho pretende promover uma reflexão sobre um importante bem patrimonial de
Vila Viçosa que corre o sério risco de se perder definitivamente e que deve ser
reabilitado, de modo a que seja permitida a sua fruição por parte da
comunidade.
A Casa de
Fresco do Solar dos Sanches de Baena assume-se como um testemunho de um dos
mais importantes períodos históricos de Vila Viçosa e a sua salvaguarda
permitirá a uma leitura mais objectiva do impulso artístico verificado neste
contexto no decurso do século XVI. Trata-se de um pequeno espaço, situado no
centro histórico da localidade, com uma importante e invulgar decoração
fresquista, datada da segunda metade do século XVI.
A pintura
mural, representando cenas religiosas, políticas ou simplesmente decorativas,
através de representações geométricas ou figurativas, constitui um meio de
expressão artística com significativa presença em Vila Viçosa.
Creio que a
pertinência deste artigo encontra a sua justificação na necessidade de olhar
para este elemento patrimonial como um vértice do importante conjunto de
pinturas murais existente no novo Parnaso mitológico, segundo a expressão de
Morais Sardinha e como um factor determinante para o entendimento da História
de Arte em Vila Viçosa.
A
Importância da Pintura a Fresco em Vila Viçosa
Ao longo do
seu percurso secular pela História, Vila Viçosa foi marcada por diferentes e
determinantes fases de crescimento urbanístico que estiveram na génese da
formação e consolidação do seu tecido urbano e da construção das diversas peças
arquitectónicas de diferentes tipologias construtivas, que o constituem. Vila
Viçosa tem subjacente uma visão estratégica e ideológica extremamente complexa.
O seu programa de desenvolvimento urbano é estruturado numa malha de edifícios
estrategicamente implantados, centrados no Paço Ducal, criando um cenário de
representação imponente.
A localidade
marcou o desenvolvimento do moderno planeamento urbano português, na medida em
que cada edifício do aglomerado foi objecto de atenção nas suas inter-relações
com o contexto urbano envolvente. Esta concepção fez de Vila Viçosa o primeiro
exemplo de uma verdadeira Vila Ducal de acordo com o preconizado como modelo
pela tratadística italiana.
A estrutura
da sua malha urbana constitui um excelente exemplo de desenvolvimento de um
aglomerado urbano segundo a tipologia preconizada pelos princípios humanistas
do Renascimento, adaptada às condições físicas deste contexto.
Embora
maioritariamente de imponência relativa, a sua arquitectura monumental, ainda
subsistente na actualidade, forma um conjunto coerente e harmonioso, graças à
utilização de uma estratégia de construção delineada e estruturada previamente.
O paço e a
vila foram desenvolvidos para dotar a Casa de Bragança de um espaço que fosse
consentâneo com o prestígio social e o protagonismo da família, tornando-se um
exemplo do humanismo renascentista português quer como centro de actividades
politicas e diplomáticas, quer pelo seu enquadramento arquitectónico,
construtivo, religioso, literário e artístico.
Notáveis
exemplares de arquitectura vernácula, militar, senhorial e religiosa constituem
testemunhos inequívocos da riqueza histórica e patrimonial que tornam Vila
Viçosa um caso ímpar, também a nível da designada pintura a fresco.
A localidade
transformou-se num importante centro de cultura, recebendo a Corte Literária
dos Duques de Bragança várias personalidades de vulto que ficaram deslumbradas
com o luxo e opulência do Palácio Ducal, confirmando-o como único em toda a
Península Ibérica. O património construído que se forma em Vila Viçosa data, na
sua maioria, da que é considerada a fase de crescimento em “ensanche”
mais decisiva e fulgurante desta Vila, a qual teve início com o arrancar do
séc. XVI, ou seja, a fase de expansão correspondente ao período do
Renascimento que se sustenta numa lúcida atitude de planeamento levada a
efeito pelos promotores de então .
O dinamismo
de construção que então ocorreu, dotou Vila Viçosa de grande parte do seu
património construído, com a clara influência dos modelos estéticos e
arquitectónicos renascentistas e sob a influência mecenática da família
Bragança. De facto, Vila Viçosa revelou desde cedo um crescimento no qual se
notam fortes preocupações urbanísticas, cujas directrizes se inserem numa
verdadeira lógica de cidade, cuja génese se vislumbra na idealização
conceptualizada pelo pensamento humanista do início do período renascentista.
Podemos afirmar que a expansão ordenada da vila evidencia uma assinalável
capacidade de reconciliar os projectos idealizados e o desenho com as
características topográficas do local ou com as pré-existências construídas.
Trata-se de
uma resposta específica do urbanismo quinhentista de Vila Viçosa, que revela o
exemplo singular desta prática no panorama do urbanismo português do século
XVI, onde os espaços civis e religiosos assumem uma importância determinante
como eixos de definição do traçado urbano. Aliado a este crescimento urbano
muito significativo, assiste-se igualmente a uma crescente preocupação com a
decoração erudita destes espaços, a nível da azulejaria e pintura mural.
Quer em
azulejo, quer em stucco e em fresco, Vila Viçosa guarda um acervo
importantíssimo de temas mitológicos dos séculos XVI e XVII. Estamos perante o
resultado directo de um mundo humanista que nesse período histórico era
eloquente e requintado de exigências culturais e onde, por isso, a pintura a
fresco podia assumir preponderância em termos de componentes pedagógicas de
raiz clássica – tanto mitológica como histórico-simbólica, à luz de documentos
reunidos na biblioteca e fruto dos contactos que a corte ducal
estabeleceu com o exterior. É neste contexto que a Pintura Maneirista em
Vila Viçosa foi inserida e é nesta perspectiva que deve ser analisada.
Embora de
qualidade plástica desigual, encontramos neste conjunto, ao nível da temática e
dos programas decorativos da pintura, formas que nos demonstram a importância
da obra mecenática da Casa de Bragança na vila e como, em plena Contra-Reforma,
os artistas que para ela trabalhavam estavam alinhados com o Maneirismo
italiano.
Em concreto,
constata-se a existência de um ciclo erudito onde se salientam programas
históricos-mitológicos e alegorias vetero-testamentárias, a par de ciclos
narrativos cristãos, conjugados com o objectivo comum de enaltecer a antiguidade
de uma das famílias mais nobres do Reino e de a legitimar em nome da fama, do
heroísmo e das virtudes de alguns dos seus membros mais célebres. A temática
dos frescos maneiristas de Vila Viçosa é diversificada e reflecte de o ambiente
erudito vivido nos séculos XVI e XVII.
Encontramos
nas decorações uma união entre a mitologia e a retórica cristã, solução que não
é meramente cenográfica, está antes associada a programas políticos, literários
e históricos onde os motivos profanos, as representações mitológicas e os
grotescos se misturam.
O apogeu
criativo da pintura mural neste contexto centra-se, sobretudo, no final da
centúria quinhentista e primeira metade do século seguinte com permanências
formais e temáticas não verificáveis no restante núcleo nacional. É neste
contexto histórico-ideológico e artístico que se realizam intervenções
fresquistas em Vila Viçosa da autoria de Francisco de Campos, Giraldo Fernandes
do Prado, André Peres e Tomás Luís, as quatro mais destacadas personalidades
que se notabilizaram nesta arte.
Existe
actualmente em Vila Viçosa um acervo de cerca de 30 obras pictóricas a fresco e
a têmpera da época histórica em que o gosto maneirista italiano estava no seu
expoente máximo, o que corresponde a toda a segunda metade do século XVI e a
primeira metade do século XVII.
É nesta
corte de aldeia transformada em centro humanístico, consciente da sua dimensão
autonomista, atestada na simbologia dos programas artísticos, que gravitam os
artistas referenciados, que se instalam sob protecção dos duques e passam
temporadas em Vila Viçosa. A presença desses e outros intervenientes
justificava-se devido ao caudal de trabalho pedido pelas circunstâncias
políticas, com visitas de embaixadas a Vila Viçosa, desde a do Cardeal
Alexandrino, enviado do Papa Pio V em 1571, à dos jesuítas do Japão em 1584, do
vice-rei Cardeal Alberto de Áustria nesse mesmo ano, do próprio Filipe II (I de
Portugal), do duque Rainúcio de Parma em 1601, e várias outras presenças de
viajantes ilustres que visitam a localidade, que nos permitem imaginar o desenvolvimento
que se fomentava à sombra desta corte.
Essas
pinturas murais são a parte visível que permanece de um vasto conjunto
concebido nos ducados de D. Teodósio I, D. João I, D. Teodósio II e D. João II,
os maiores mecenas desta actividade artística.
Analisados
no seu conjunto, os frescos do Paço Ducal, das ermidas, Igrejas e ainda os dos
solares de Vila Viçosa, constituem uma referência da cultura artística do
Maneirismo em Portugal, num ambiente favorável, em termos de opções estéticas e
de circulação de modelos, para que esta modalidade pictórica se expandisse em
qualidade e em quantidade, servindo como nenhuma outra, os interesses culturais
da Casa de Bragança e os seus propósitos de afirmação política. Este conjunto
testemunha o brilho desta produção aristocrática que começa a ser
paulatinamente desvendado, mostrando os contornos de uma notável corte
implantada no coração do Alentejo, actualizada nos programas artísticos que
fomenta.
O Solar dos
Sanches de Baena
O tema
central desta investigação centra-se na Casa de Fresco existente no antigo
Solar dos Sanches de Baena. Neste espaço, contíguo ao Convento das Chagas e
muito próximo do Paço Ducal, apenas resta, do edifício original, uma chaminé e
uma galeria de cinco arcadas e colunelos toscanos que desponta ao longo da
actual Rua Doutor Couto Jardim, que faz a ligação ao Terreiro do Paço.
É provável
que o seu primeiro proprietário fosse D. Gil Alvares Sanchez, fidalgo espanhol
natural de Albuquerque, que se fixou em Vila Viçosa nos alvores do século XVI,
ao serviço do Duque D. Jaime e ao qual acompanhou no extenso séquito militar na
conquista de Azamor, no Norte de África. Casado com D. Guiomar de Landim, moça
de Câmara da Duquesa de Bragança, este casal deu origem a uma ilustre família
alentejana, representada, no século XVII pelo célebre Dr. João Sanches de
Baena, desembargador do Tribunal da Relação do Porto e do Paço Real, que tomou
parte activa no movimento da Restauração de 1640. Desconhece-se a data da
alienação do solar por esta família, mas admite-se que os seus representantes o
vendessem ou arrendassem a partir do assento da corte de D. João IV em Lisboa.
Em 1660,
morava neste espaço Manuel Pegas de Vasconcelos, fidalgo da Casa Real. Ainda
era vivo em 1704. Anos depois foi adquirida pelo capitão de ordenanças da Vila,
Nicolau de Almeida Valejo de Mariz, cavaleiro do hábito de Cristo, que faleceu
em 1753. A casa continuou na posse da família – ocupada, respectivamente, pelo
seu filho e neto – o coronel Francisco Cândido de Almeida Valejo de Mariz que,
no ano de 1808, casado com D. Epifania Bernarda Teresa Rangel, esteve provido
na vila, pelo Município, na junta destinada a suster a rebelião popular contra
os franceses. O seu filho, Simão de Almeida Valejo de Mariz, capitão de
cavalaria do Regimento de Beja em 1807, também habitou neste local.
Mais tarde,
o primitivo edifício tornou-se propriedade do Padre Joaquim Cordeiro Galão,
professor do Colégio dos Reis e organista da Capela Real em tempos de D. João
VI, monarca que o chamou a Lisboa como mestre de Música e piano das princesas
suas filhas.
O imóvel
conserva a forma arquitectónica imposta por este proprietário, que não a chegou
a habitar, tendo falecido em Lisboa a 29 de Fevereiro de 1838. Os seus
herdeiros venderam o edifício no ano de 1857, por 200 000 reis ao lavrador José
Cordeiro Vinagre. O edifício é actualmente propriedade da Santa Casa da
Misericórdia, onde funciona o Lar de Idosos da Instituição.
A Casa de
Fresco/ O Ninfeu
É na antiga
horta que encontramos uma estrutura arquitectónica perdida no tempo, que nos
serve de testemunho do esplendor artístico que se vivia em Vila Viçosa nos
finais do século XVI e início do século XVII.
A Casa de
Fresco é um espaço restritíssimo de forma quadrangular, medindo 3.15X2.90 m) e
encontra-se há muito em deplorável estado de conservação, por efeito da
humidade que procede da mina de água adjacente e devido a intromissões e
abandonos de diversa índole. Mesmo assim, constitui-se como um dos mais
inesperados testemunhos do Maneirismo calipolense na sua versão mais erudita.
O ninfeu
localizado no jardim contém uma rica decoração maneirista de estuque, fresco e
embrechado com grande interesse artístico, posto em estado de abandono, onde se
assinala o recurso à alegoria mitológica. o qual mostra vestígios de uma decoração
integral do primeiro terço do século XVII, da responsabilidade de artistas
teodosinos não identificados (nomeadamente o pintor, o estucador e o
embrechador), onde o grotesco pintado se associa aos stucchi e à obra de
massa, aos esgrafitos e a um fantasioso embrechado envolvendo o escudo
armoriado da família Sanches de Baena.
Este espaço
integra uma decoração muito erudita, de ousada concepção aristocrática, e, como
refere Vítor Serrão: “(…) é um dos mais inesperados testemunhos do
gosto artístico da corte teodosina, marcada pela exploração da temática
neoplatónica e pela expressão culta do Maneirismo italianizante de raiz
profana(…).
Edificada no
nível superior do poço, a casa de fresco é um espaço com varandim sobre a
cisterna, sendo a cobertura constituída por abóbada de aresta nervurada. Na sua
decoração interligam-se, com grande dinamismo e cuidadosa planificação,
estuques relevados, pintura a fresco, embrechados de conchas, pedras e
cerâmica, numa linguagem de sabor italiano integrando elementos de grotesco. Os
quatro cantos do compartimento são marcados por três cariátides e um atlante de
tamanho real, que servem de mísulas às nervuras da abóbada, sendo as paredes
rebocadas até ao arranque da mesma. Nos alçados, sobre o varadim de acesso ao
poço, encontramos o brasão dos Sanches Baena em estuque, sobrepujado por folhas
de acanto e envolvido por composição em cerâmica e conchas.
No alçado em
frente à porta de entrada observa-se uma tabela elipsóide envolvida em
enrolamentos, com uma representação da história de Diana e Acteon (, baseada
numa das gravuras de Virgil Solis para as Metamorfoses de Ovídio). O alçado sobre a porta foi
intervencionado com cimento e o alçado à sua direita apresenta uma cartela de
enrolamento com tabelas ovais centrando cenas mitológicas no seu interior.
O programa é
eficiente pela multiplicidade de recursos e as variações de motivos
representados, geométricos ou figurativos, que informam o tipo de ornamentos de
fresco, de estuque e de embrechado. Os panos da abóbada são decorados por
pintura mural de cromatismo intenso, enrolamentos acânticos, mascarões,
cartelas de enrolamentos, figuras de serafins tocando trompetas. As nervuras da
abóbada são decoradas por elementos em estuque relevado, sendo os ângulos de
cruzamento dos artesões decorados com máscaras humanas envolvidas em ornatos de
conchas e pedras. Trata-se de um espaço referido por Túlio Espanca como (…) a
mais caprichosa e certamente arcaica composição deste género da vila (…).
Coube ao
grande historiador de arte dar a conhecer a existência deste minúsculo espaço,
ultima reminiscência patrimonial que resta deste antigo solar Nobre.
CONCLUSÃO
A
investigação histórica recente comprova a evidência de que estamos perante um
importante legado patrimonial, de excepcional qualidade, que se encontra em
avançado estado de degradação.
De facto, a
Casa de Fresco do Solar dos Sanches de Baena constitui um dos mais inesperados
testemunhos do Maneirismo calipolense na sua versão mais sofisticada – o gosto
artístico da corte ducal - adequado a uma ambiência profana, marcada pela
exploração da temática neo-platónica e pela expressão mitológica do Maneirismo
italianizante de raiz erudita, miscigenada com temáticas cristãs e com
referência orientalizantes, caso da representação de uma peça de faiança da
China na decoração a fresco e de fragmentos de faiança chinesa na estrutura do
embrechado.
A Santa Casa
da Misericórdia de Vila Viçosa, entidade tutelar do edifício tem vindo a
desenvolver estratégias no sentido de proceder à recuperação e conservação
deste espaço, medidas que aliás tem vindo a ser anunciadas pela actual Mesa
Administrativa, enquanto prioridades em termos de intervenção de âmbito
cultural.
Neste
sentido, têm sido mantidos contactos com a Fundação da Casa de Bragança, desde
2009, através do Museu-Biblioteca da referida Instituição, no sentido de
promover acções concretas que possibilitem a reabilitação deste bem
patrimonial, através da possível definição de um circuito turístico relacionado
com a Pintura a Fresco em Vila Viçosa. Esta possibilidade encontra-se ainda em
fase de avaliação, tendo em conta as especificidades do património em questão,
com a supervisão da Direcção Regional de Cultura do Alentejo e do IGESPAR. È
convicção das instituições envolvidas que a hipótese de intervenção e
reabilitação a aplicar só se justifica no âmbito de uma planificação que
origine uma funcionalidade específica a este conjunto e possibilite a sua
fruição e possa constituir uma potencial fonte de receitas.
Esta poderá
ser a solução concreta para a requalificação do monumento e da sua envolvente,
através do estabelecimento de uma rede de parcerias que inclua a Câmara
Municipal de Vila Viçosa, a Entidade Regional de Turismo do Alentejo e outros
organismos locais e regionais, que possa promover uma candidatura objectiva ao
Quadro de Referência Estratégico Nacional - Programa Operacional do Alentejo
2007-2013.
A Casa de
Fresco tem vindo a merecer a atenção de especialistas através de diversas
pesquisas e análises de diferentes perspectivas em que são salientadas as
características quase exclusivas deste bem cultural, quer em relação ao
conteúdo programático das pinturas, quer a nível dos materiais utilizados.
Estes estudos tem vindo a alertar a comunidade científica e as entidades
responsáveis acerca da necessidade de intervenção e a análise da documentação
produzida confirma este facto.
Já em 1999,
no âmbito do levantamento realizado pelo Gabinete Técnico Local da Câmara
Municipal de Vila Viçosa, a equipa pluridisciplinar coordenada pelo Arq. José Carlos
Cuba Ramalho, no âmbito de um documento designado “Arquitectura da Água”,
recolhe as primeiras informações num relatório técnico que identifica as
principais patologias deste imóvel e da envolvente, onde já é evidenciado o
avançado estado de degradação em que se encontra a Casa de Fresco. Esta
avaliação incluiu descrição do imóvel e do conjunto, por categoria e tipologia,
tendo sido aplicado método de valoração do potencial patrimonial e elaborado,
neste caso, uma proposta detalhada de medidas de salvaguarda. Foram ainda
considerados os seguintes descritores: referência de sítio; designação;
localização administrativa; localização geográfica; cronologia; medidas de
protecção; estado de conservação; descrição sumária; síntese de intervenções;
tipo de uso; bibliografia principal e outras referências de inventários
anteriores ou da responsabilidade das instituições com a sua tutela.
Esta recolha
documental foi essencial para as restantes investigações mais recentemente
desenvolvidas.
No ano de
2003, mais propriamente em Abril e no âmbito do processo inicial de candidatura
de Vila Viçosa a Património Mundial da UNESCO, o Dr. Nuno Milheiro, Técnico
Superior da Câmara Municipal de Vila Viçosa e coordenador desta iniciativa,
propõe a classificação deste bem como imóvel de interesse público, através de
uma ficha de caracterização onde se encontravam registados os dados históricos
e os principais problemas estruturais do edifício, nomeadamente no que concerne
a humidade e temperatura, factores que afectavam e afectam os elementos
decorativos.
Esta medida
foi inserida num processo mais vasto de caracterização de todos os bens
patrimoniais de Vila Viçosa e definição das principais medidas a aplicar. Mais
recentemente, já em 2009, no âmbito do estudo efectuado pelo Centro HÉRCULES da
Universidade de Évora, em conjugação com outros organismos (Departamentos de
Química e Biologia, Direcção Regional de Cultura do Alentejo, Centro de
Geofísica de Évora e Laboratório Nacional de Engenharia Civil), foram
identificados os principais problemas que afectam de forma estrutural a Casa de
Fresco e que destacam a importância artística deste legado:
Infelizmente,
devido ao abandono parcial e à falta de conservação, as pinturas estão num
estado avançado de degradação, sendo visível o destacamento de camadas
pictóricas e argamassas, eflorescências salinas e uma abundante colonização
microbiológica. Este estudo permitiu identificar as diferentes populações
microbianas presentes e avaliar a sua importância na deterioração destas
pinturas. O estudo microbiológico foi efectuado em amostras recolhidas de zonas
visivelmente contaminadas, utilizando zaragatoas e bisturis estéreis, por
cultura em meios selectivos e observação por microscopia óptica e electrónica.
Este estudo permitiu isolar 32 estirpes bacterianas e 34 fúngicas nos quatro
painéis de frescos.
Revelou este
estudo que o estado de degradação do Ninfeu é muito significativo e engloba
diferentes patologias.
Pela
avaliação da documentação produzida neste âmbito, torna-se evidente que este
bem constitui uma referência cultural em Vila Viçosa, pela sua história e pelo
seu carácter de excepção e a própria comunidade científica se tem debruçado
sobre o seu valor intrínseco. Os estudos realizados por diversos intervenientes
demonstram a preocupação relativa à requalificação deste bem e a necessidade de
actuação urgente.
Este artigo
pretende contribuir para que essa iniciativa possa ter lugar com a maior
brevidade possível. Inserindo este processo numa designada política de patrimonialização
– isto é, o reconhecimento e a apropriação de
testemunhos/bens culturais por uma comunidade – julgo
ser da maior pertinência analisar e avaliar as formas de legitimação deste
património em concreto, os seus principais protagonistas e os métodos de
actuação.
Parece-me
incontornável que só uma estreita e assumida relação da comunidade com os
testemunhos herdados do passado, expressando, no presente, valores e saberes
representativos, resultantes da interacção das pessoas com os territórios,
poderá surgir e afirmar-se verdadeiramente a necessidade de empregar meios
específicos para os gerir.
Como
conjunto das obras nas quais uma comunidade reconhece os seus valores
específicos e particulares e com os quais se identifica, o património deve ser
perspectivado tanto na sua dimensão universal, como na dimensão local,
atendendo a características de diversidade e de pluralidade, ora enquanto
marcas de identidade dum território, ora enquanto forma de o distinguir e de
conferir um certo potencial de coesão e de inclusão entre os seus habitantes ou
população.
Para tal, é
fundamental a escolha dos processos de valorização do património cultural a
serem aplicados pelas entidades, públicas e privadas, que detêm a propriedade
e/ou a tutela de destes bens.
Bibliografia
ESPANCA,
Túlio – Inventário
Artístico de Portugal. IX. Distrito de Évora, Lisboa: Academia
Nacional de Belas-Artes, 1978.
SERRÃO,
Vítor - O Fresco Maneirista do Paço de Vila Viçosa
(1540-1640), Fundação da Casa de Bragança, Lisboa, 2008.
SERRÃO,
Vítor — ”Giraldo de Prado,
cavaleiro-pintor de D. Teodósio II, duque de Bragança. Obras em Almada e Vila
Viçosa”. Callipole. Vila Viçosa: Câmara
Municipal de Vila Viçosa 2004, n.º 12, pp. 247-271
SILVA, Hélia - "Diagnóstico
da biodeterioração por fungos e bactérias nas pinturas murais da Casa de Fresco
de Sanches Baena”, desenvolvido em 2009, pelo Centro HÉRCULES
da Universidade de Évora, Departamentos de Química e Biologia da referida
Academia, Direcção Regional de Cultura do Alentejo, Centro de Geofísica de
Évora e Laboratório Nacional de Engenharia Civil.
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