quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

MARTIM AFONSO DE SOUSA - Um "globetrotter" calipolense do século XVI

Neste momento, está em desenvolvimento um projeto que tem como objetivo fundamental associar, no Brasil, o nome de Martim Afonso de Sousa a Vila Viçosa. 

Tendo em conta a importância deste notável calipolense e o facto de muitas vezes, o seu nome não estar associado a Vila Viçosa, teve como consequência a necessidade de proceder a um estudo mais detalhado sobre aspetos relevantes na vida política do século XVI, em que Martim Afonso de Sousa foi protagonista.
Sobre esta matéria, foi criado em 2014 um grupo de trabalho em Vila Viçosa, que tem vindo a recolher documentação sobre a figura de Martim Afonso de Sousa, através do estabelecimento de contactos com diversas instituições locais e internacionais.
Através de protocolos a criar com a Universidade do Rio de Janeiro e a cidade de São Vicente, penso que seria importante criar formas de diálogo, de modo a promover os fluxos turísticos do contexto brasileiro, em relação a Vila Viçosa.
Numa primeira fase, o objectivo será o da criação de uma página nas redes sociais, com imagens de Vila Viçosa, onde fosse efetuada, de forma clara e objetiva, a ligação entre Martim Afonso de Sousa e Vila Viçosa.
A realização de um vídeo promocional com a colaboração do Agrupamento de Escolas de Vila Viçosa, a ser difundido na Internet (youtube, facebook, twitter, etc.) poderia permitir uma ampla divulgação do nome de Vila Viçosa, com o contributo de colaboradores do lado brasileiro, nomeadamente da Casa-Museu Martim Afonso de Sousa (em São Vicente, onde já foi efetuado um projeto semelhante), da Prefeitura de São Vicente e da Universidade do Rio de Janeiro.
Criar um circuito turístico específico sobre Martim Afonso de Sousa, vocacionado para o público brasileiro, através de uma estratégia de marketing bem fundamentada, poderia ter um impacto muito positivo no futuro turístico de Vila Viçosa. Muitos turistas brasileiros que nos visitam desconhecem de todo esta ligação entre ambos os países.
Estimular, nas escolas e universidades da região, o desenvolvimento de trabalhos académicos sobre a vida e o percurso de Martim Afonso de Sousa seria outro dos desafios a encarar, tendo em consideração que parte da sua vida continua a ser um mistério.
A edição de um livro sobre Vila Viçosa, Martim Afonso de Sousa e o Brasil é outros dos vértices que se pretende dinamizar, em conjugação com um documentário sobre os episódios mais relevantes da sua vida política e militar. Sobre esta temática, ainda há muito por pesquisar.

Quem foi este nobre calipolense?

Martim Afonso de Sousa nasce em Vila Viçosa no ano de 1500.
A sua ação prolongou-se quase ininterruptamente, de 1530 a 1545, ficando marcada pelo exercício exclusivo de funções cimeiras: primeiro a capitania-mor da expedição encarregue de anular a concorrência francesa e de desencadear a colonização do Brasil, esfera em que esteve dotado de alçada equiparável à de um governador (1530-33) e alcançou sucessos que lhe valeram a donataria de algumas capitanias instituídas pela Coroa (1534); depois a capitania-mor do mar da India (1534-1539) e por fim o governo do Estado da India.
Distinguiu-se pelo carácter multifacetado das suas atividades como cortesão, erudito, guerreiro e explorador, que o levaram de Portugal a Espanha, França, Brasil, Índia, locais onde não se limitou à esfera litoral, tendo-se atrevido a avançar por esses territórios mencionados. Foi um verdadeiro cidadão do mundo. Correu as sete partidas, ao serviço da Coroa[1].
Simultaneamente, privou e contactou com estadistas europeus: D. Manuel I, D. João III e D. Sebastião; o Imperador Carlos V; asiáticos como Bahadur Shah, sultão indiano do Guzerate (1526-1537); Salghar Shah, Rei de Ormuz (1535-1544), Ibrahim, sultão indiano de Bujapur (1535-1557), Bhuvaneka Bahu VII, rei cingalês de Kotte (1521-1551); Tabarija, Sultão de Ternate (1532-1545) e o Rajá de Cananor (1527-1547); cientistas (Pedro Nunes e Garcia da Orta), veteranos de guerra, como Gonzalo Fernandez de Cordoba (1453-1515), herói castelhano das guerras de Itália e D. Garcia de Noronha, personalidade portuguesa que assistiu a momentos cruciais da formação do Estado da India e os Jesuítas Francisco Xavier e Garcia de Orta[2].
A sua relação próxima com duas das mais importantes figuras do Reino no século XVI, D. João III e o seu primo D. António de Ataíde, com os quais estabeleceu fortes vínculos pessoais, projetou Martim Afonso em termos de influência e prestígio social[3].
Transformara-se num perfeito cortesão, aprimorando a sua formação pessoal a nível das letras, artes, e da etiqueta dos desportos nobres. Em 1520 é acolhido definita e formalmente ao serviço do príncipe. Não obstante ter mantido uma presença ininterrupta na corte desde 1516, a verdade é que continuava a ser um criado da Casa de Bragança[4].
Foi a ação deste ilustre calipolense que marcou a dinamização da exploração económica e da colonização do Brasil na sequência de vários embates vitoriosos com embarcações francesas, da introdução da cultura da cana-de-açúcar e da instalação de núcleos de povoamento em São Vicente[5].
As mercês que o soberano reservou para Martim Afonso comprovam o grau de satisfação derivado do seu desempenho político e militar. De facto, D. João III acumulou-o, em 1534, com duas capitanias de reconhecida importância (Rio de Janeiro e São Vicente) e as funções de capitão-mor do Mar da India, que o colocavam no segundo lugar da hierarquia oriental, logo depois do governador Nuno da Cunha[6].
Entre 1530 e 1532, o Rei enviou uma esquadra comandada por Martim Afonso de Sousa para impor a autoridade da coroa lusa nas águas brasileiras. O triunfo de Sousa levou o monarca a acreditar que a costa americana estava pacificada e apostou na iniciativa privada para levar a cabo a colonização do Brasil.[7] Em 1530, o nome de Martim Afonso de Sousa é indigitado no comando de uma esquadra, o que acontece a 3 de Dezembro do referido ano. O fidalgo, para além da alçada de capitão-mor, gozaria ainda de uma missão extraordinária que o habilitava a assumir-se como o primeiro governador do Brasil, inserido numa estratégia de relançamento da presença portuguesa na região.
D. João III entregou-lhe a capitania-mor do Brasil, tanto as que já se encontravam sob jurisdição portuguesa como aquelas que Martim Afonso viesse a descobrir e a incorporar nos domínios da Coroa através do assentamento de padrões.
No final dos anos 40 a situação era grave e a Coroa estava em risco de perder o Brasil, devido à incapacidade da maioria dos capitães para desenvolver os seus territórios como unidades políticas e económicas. Foi então que D. João III tomou uma das decisões mais importantes do seu reinado ao criar o governo-geral do Brasil. O monarca reconhecia a importância crucial das terras brasileiras e decidiu complementar o esforço dos particulares com o envolvimento das forças régias. Competia ao governador zelar pelo conjunto das capitanias e usar os meios da Coroa para apoiar as zonas que enfrentassem maiores dificuldades[8].
A missão de Martim Afonso de Sousa no Brasil foi um sucesso, já que sob sua jurisdição, a presença no local conheceu uma forte dinâmica em diversas frentes[9].
- Foi declarada uma caça cerrada aos franceses, com várias ofensivas navais que aumentaram a segurança das atividades comerciais portuguesas. Teve também lugar durante este período a construção de uma estrutura fortificada na baía de Guanabara.
- Promoveu-se um amplo reconhecimento geográfico do litoral brasileiro, sobretudo nas bacias amazónica e platina. A rivalidade luso brasileira em torno desta última motivou a instalação de padrões, recuperando uma antiga prática nacional que caucinava o direito de soberania nas áreas ultramarinas.
- Foram avaliadas as potencialidades de exploração económica do território, quer a nível mineiro, quer a nível agrícola. Foram feitas incursões pelo sertão em busca de metais e pedras preciosas, que surtiram resultados limitados. Em termos agrícolas, foram descobertas as compatibilidades dos solos em São Vicente para a plantação de cana-de-açúcar.
- Estabeleceram-se os núcleos primordiais da colonização portuguesa, através da fundação de duas vilas situadas na zona meridional do espaço brasileiro e da instalação de agentes de povoamento. A primeira e mais importante, a de São Vicente, foi erigida na orla marítima, na enseada do mesmo nome, tendo sido dotada de estruturas defensivas, administrativas, judiciais, religiosas e habitacionais. A de Piratininga foi relegada para uma localização premeditada de relativa interioridade, no planalto que constitui a retaguarda da serra de Paranapiacaba, também designada como Serra do Mar[10].
Martim Afonso de Sousa foi o responsável pela iniciativa privada no desenvolvimento do processo colonizador, ficando o poder central com o papel de fiscalizador. E pela introdução do sistema de capitanias – donatarias.
São Vicente prosperou graças à instalação de muitos agentes de povoamento (600 indivíduos em 1548, que controlavam os destinos de 3000 escravos), à criação de quatro localidades (São Vicente, Santos, São Paulo, Itanhaem, diversas sesmarias e alguns engenhos de açúcar).
Em Novembro de 1533 foi catapultado para a segunda melhor posição da hierarquia politico militar do Estado da India, o da capitania mor. Esta nomeação ficou a dever-se aos êxitos que obtivera no Brasil. Fica clara a ambição de Martim Afonso de Sousa em ascender ao topo da hierarquia do Estado da India. Aqui viveu quatro anos de consecutivas e bem-sucedidas intervenções militares que tornaram Martim Afonso de Sousa como o oficial de maior prestígio do Estado da India[11].
Martim Afonso de Sousa aproveitou a sua passagem pelo Estado Português da Índia (1534-39) para valorizar o seu currículo e a consideração que D. João III nutria por si. Consegui-o graças a assinaláveis êxitos de natureza militar e diplomática, nomeadamente a conquista de Damão, o entendimento com o Sultão de Cambaia, do qual resultou o estabelecimento de uma feitoria em Diu, a tomada da ilha de Repelina, e a derrota do corsário Patemanar, um dos fiéis do Samorim de Calecute na batalha naval junto ao cabo Comorim.

Faleceu em Lisboa no dia 21 de Julho de 1564.




[1] PELÚCIA, Alexandra, Martim Afonso de Sousa e a sua Linhagem: A elite dirigente do Império Português nos Reinados de D. João III e D. Sebastião. Dissertação de Doutoramento em História – Especialidade em História dos Descobrimentos Portugueses e da Expansão Portuguesa, Faculdade de Ciência Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2007
[2] Idem
[3] Idem
[4] Idem
[5] Idem
[6] Idem
[7] COSTA, João Paulo Oliveira e; RODRIGUES, José Damião; OLIVEIRA, Pedro Aires, História da Expansão e do Império Português, Esfera dos Livros, Lisboa, 2014, página 135.
[8]  Idem
[9] PELÚCIA, Alexandra, Martim Afonso de Sousa e a sua Linhagem: A elite dirigente do Império Português nos Reinados de D. João III e D. Sebastião. Dissertação de Doutoramento em História – Especialidade em História dos Descobrimentos Portugueses e da Expansão Portuguesa, Faculdade de Ciência Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2007.
[10] Idem
[11] Idem


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