sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Histórias sinistras de Vila Viçosa - Capítulo II


É comum falar-se hoje na crise de valores e nos males que assolam a sociedade. Todos os dias somos confrontados com crimes hediondos, onde fica claro que muitas vezes os perigos e as ameaças surgem dentro do próprio lar…

No entanto, o passado é pródigo em relatos macabros, de acontecimentos em que a realidade supera qualquer ficção. Infelizmente, esta é uma dessas histórias…
No serão de 27 para 28 de Dezembro de 1852, no Dia dos Santos Inocentes (estranha coincidência), descobriu-se um crime em Vila Viçosa que causou grande consternação nos calipolenses. Uma velha chamada Maria, viúva de Manuel António e vulgarmente conhecida por Maria do Manuel António, era encarregada pela parteira Maria José Troca, responsável pela roda dos expostos, de tornar a expô-los em Borba e no Alandroal.

Isto acontecia porque as referidas vilas limítrofes mandavam para Vila Viçosa muitos enjeitados, o que aumentava as despesas do concelho, segundo as indicações do Vereador Fiscal da Câmara[1]. A Maria do Manuel António era pois a responsável por levar os expostos de novo para as localidades de origem.

Com este episódio trágico, o que era secreto veio a tornar-se público e até escandaloso.
A parteira Maria José Troca recebia da Câmara 480 réis para gratificar cada reexposição, mas dava apenas 120 réis à dita Maria do Manuel António, ficando com o resto. Ora a velha, que era useira e vezeira na bebedice, farta de andar em jornadas noturnas entre Vila Viçosa, Borba e o Alandroal por tão baixo preço, começou a abandonar os enjeitados fora das rodas e pelos campos, onde alguns foram encontrados vivos e outros, infelizmente, já mortos…

Por fim, tinha a velha em sua casa um enjeitado para reexpor na noite de 27 para 28 de Dezembro. Porém, como estava embriagada, meteu a pobre criança debaixo da esteira onde dormia, para não ouvir o choro. Os vapores do vinho inspiraram-lhe instintos desumanos contra o pobre inocente que chorava com toda a força, tanto por causa do frio da velha casa do Castelo, como pelo sufocamento provocado pela velha bêbada recostada na esteira.
O choro do bebé foi ouvido por alguns rapazes que passavam pela Rua de Estremoz, que rapidamente deram o alerta a outros moradores do Castelo. A Maria do Manuel António estava a matar uma criança e os vizinhos, movidos de compaixão pelo inocente, não demoraram em ir bater-lhe à porta para confirmarem a denúncia. Assim foi. Bateram com força na porta e a velha resolveu acudir ao chamamento. Quando entraram, já a criança havia expirado…

Levado o caso ao Administrador do Concelho, foi a viúva metida na cadeia, com a população calipolense revoltada e em grande alvoroço. Para além do corpo de delito feito ao cadáver do enjeitado referido, foram feitas escavações no quintal da casa do Castelo, onde foram encontradas mais ossadas de crianças…

Na primavera seguinte veio de Estremoz o Juiz de Direito da comarca sentenciar a ocorrência e por Maria do Manuel António já ter 70 anos, foi condenada a prisão perpétua. Faleceu de morte natural, passados três anos de cativeiro…




[1] Segundo as Ordenações Manuelinas de 1521 e confirmadas pelas Ordenações Filipinas de 1603, as Câmaras deveriam arcar com o custo de criação do enjeitado nascido sob a sua jurisdição, caso esta não tivesse a Casa dos Expostos e nem a Roda dos Expostos. A Câmara teria essa obrigação até que o exposto completasse sete anos de idade.


FONTE BIBLIOGRÁFICA

ESPANCA, Padre Joaquim José da Rocha, Memórias de Vila Viçosa, 36 cads., Câmara Municipal de Vila Viçosa, Vila Viçosa, 1983 – 1992.








                                               Rua de Estremoz - Castelo de Vila Viçosa

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Praça Nova de São Bartolomeu


Antiga Praça Nova de São Bartolomeu (actual Praça da República de Vila Viçosa)
As casas que se podem ver na imagem foram demolidas em 1939/40, de acordo com o novo plano de urbanização, que criou a Praça da República, promovido pelo Estado Novo. O quarteirão de casas desde este local até ao Castelo foi completamente arrasado, para a criação de uma praça monumental, cujo ponto oposto é a Igreja de São João Evangelista (São Bartolomeu).
Do lado esquerdo da imagem, temos a antiga Rua de Évora (que seguia desde a Comercial até ao actual Posto dos CTT)




quarta-feira, 19 de setembro de 2018

AS HISTÓRIAS SINISTRAS DE VILA VIÇOSA


Em cada recanto de Vila Viçosa, há histórias por contar…
Algumas delas românticas e deliciosas, outras tristes e macabras.
Esta é uma das últimas…

No Largo Mouzinho de Albuquerque encontra-se uma lápide em mármore com uma inscrição, que levanta a curiosidade de muitos dos que ali passam.

No dia 16 de Setembro de 1852, foi assassinada em Vila Viçosa Luísa Joaquina da Conceição, conhecida como Luísa Mamede, viúva, que morava numa casa do antigo Rossio, onde foi colocada a lápide que ainda hoje ali se encontra. Luísa Mamede foi morta pela sua criada, Maria da Assunção. Esta sabia ler e escrever corretamente e prestava-se a escrever as cartas que as suas amigas enviavam aos namorados.

Porém, um dia, Luísa Mamede encontrou umas cartas dirigidas a uma criada de Serafim José da Mata, seu cunhado e tio de Maria da Assunção. Chocada com a descoberta, Luísa pôs as cartas na algibeira e disse que as iria mostrar a Serafim. A criada ficou assustada!
Passaram as horas e ao meio-dia, Maria da Assunção colocou o almoço na mesa para Luísa poder comer. Sentada a patroa, Maria da Assunção suplicou-lhe que entregasse as cartas. Ao não atender o seu pedido, a criada tentou extrair-lhe à força as cartas da algibeira. Luísa resistiu. Maria da Assunção, exaltada, pegou no canudo de ferro da chaminé e deu-lhe com ele na cabeça. Então a patroa reagiu defendendo-se com o garfo de ferro com que tinha principiado o almoço e a criada, lançando a mão à faca da mesa, cravou-lha no pescoço, cortando-lhe a artéria jugular do lado esquerdo.

Instantes depois, caia Luísa no pavimento da cozinha, banhada no seu próprio sangue…

Maria da Assunção ficou atrapalhada, sem saber como havia de encobrir o crime horrendo que cometera. No meio dos seus próprios remorsos, ocorreu-lhe chamar um familiar que morava defronte da casa, nas Aldeias. Vindo este, contou-lhe que fora colher uvas à parreira do quintal para a sobremesa do almoço e que entrara alguém que assassinara a patroa. Porém, a porta da rua estava fechada e foi preciso que ela própria a abrisse para o familiar poder entrar.

Depois, alguns dos que entraram a ver o sinistro repararam que Maria da Assunção tinha pingos de sangue no pescoço e logo murmuraram que fora ela a autora do crime. Ainda nessa noite, a criada foi dormir à cadeia e no dia seguinte, aos interrogatórios, vendo-se apanhada em mentiras, confessou o crime.
Tinha por esses dias concluído a formatura em Direito o calipolense Francisco Augusto Nunes Pousão (pai do Pintor Henrique Pousão) e quis estrear-se na advocacia tomando à sua conta a defesa da ré. Fez o que foi possível para atenuar-lhe a pena. Foi brilhante no seu discurso na audiência, onde estava presente o Padre Joaquim Espanca (de cujos documentos retirámos esta história).

Porém, o crime, apesar de não sido premeditado, foi de tal gravidade que não pôde o Juiz, com o veredicto dos jurados, deixar de condená-la. A primeira sentença foi de pena de morte. Apelando o defensor para a Relação de Lisboa, foi-lhe atribuída a pena de degredo perpétuo para as costas de África, onde viveu até quase ao final do século XIX.
Uma curiosidade desta história tem a ver com o facto de que, ao abrir-se o testamento de Luísa Mamede, se constatou que esta legava à criada assassina uma prédio de casas “rasteiras” na Rua dos Frades (antiga artéria situada junto do Convento da Esperança). No entanto, esse legado ficou sem efeito porque as leis civis já impunham nesta data a pena de deserdação a inimigos ingratos e cruéis.

FONTE
ESPANCA, Padre Joaquim José da Rocha, Memórias de Vila Viçosa, 36 cads., Câmara Municipal de Vila Viçosa, Vila Viçosa, 1983 – 1992.