terça-feira, 5 de março de 2019

LENDA DO FORNO DA MULHER



No seguimento da terrível e verídica história dos assassinatos do Alto da Portela, o Padre Espanca, grande cronista de Vila Viçosa no final do século XIX, conta-nos uma lenda que ouviu contar aos seus pais e avós.

Escreveu que, no seu tempo, muita gente confundia a lenda do forno da mulher com a história anterior, não havendo, no entanto, qualquer ligação entre ambas. A proximidade dos locais onde se terão passado os factos gerava por vezes algumas confusões.

Tratavam-se de casos muitos diferentes.

O forno da mulher estava situado também no Alto da Portela, já quase na Toca do Lagarto, à mão esquerda de quem vem de Vila Viçosa. Estava localizado no olival que precede outro onde começa a descer a estrada vicinal para as Fontanas, passando pelo Seixo Branco. Ficava muito perto da estrada de Bencatel, não muito longe do lugar onde o terrível João executara a mulher e o filho em 1781.

A lenda do forno da mulher devia ser muito antiga, já que em meados do século XIX só já existiam ruínas do local. Em 1873, conta o Padre Espanca que o médico Bivara, proprietário do terreno, retirou o que restava do antigo forno e plantou uma estacaria de oliveiras que ainda por lá existem.

No final do século XIX, aquela zona era já somente conhecida como o sítio do forno da mulher, não existindo nessa data nenhum vestígio da construção.

Os fornos de cal tinham uma especial relevância nesta zona. Pelo menos desde a Idade Média que é conhecida a produção de cal, obtida através da liquidificação do mármore a elevadas temperaturas. Em termos económicos, até à introdução das tintas plásticas, tratava-se de uma actividade muito importante.

Em tempos muito distantes, achava-se o dito forno a cozer a cal e já no terceiro e último dia da cozedura, apareceu na estrada uma caleça (carruagem), conduzida por um homem com um ar fidalgo e uma senhora. Parando junto do forno, apeou-se o cavalheiro e foi ajustar com o caleiro a venda em globo da fornada de cal, que pagou de pronto, mandando retirar os operários que ali se encontravam a trabalhar.

Dias depois, constatando que a fornada se encontrava intacta, foi ali por curiosidade o caleiro que a vendera por inteiro e encontrou uma chinela de mulher perto da boca do forno.

Muitos dias se passaram e nunca o desconhecido comprador da cal apareceu a removê-la dali, ficando a entender os contemporâneos que o cavalheiro com a ajuda do cocheiro haviam metido a mulher que traziam na caleça, viva ou morta, para dentro do forno ardente.

Esta é a lenda, que não se sabe ser verdadeira ou não. O que é certo é que aquele local ficou para sempre conhecido como o Forno da Mulher, designação que só podia surgir por alguma razão.

Bibliografia

ESPANCA, Padre Joaquim José da Rocha, Memórias de Vila Viçosa, Cadernos Culturais da Câmara Municipal de Vila Viçosa