sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

VILA VIÇOSA E AS INVASÕES FRANCESAS


Ontem falei sobre o Castelo e alguns episódios históricos que aqui aconteceram, deixando propositadamente para hoje as informações sobre as Invasões Francesas, no início do século XIX.
Ao longo da História, o mês de Junho foi particularmente fatídico para as gentes de Vila Viçosa. Também durante as Invasões Francesas a situação foi dramática…

No dia 19 de Junho 1808 e na sequência do saque verificado nas igrejas de Vila Viçosa e de maltratos infligidos a um menino junto da “Estacada” (perto do Castelo) pelos soldados franceses, o povo calipolense insurgiu-se e atacou a guarnição de Napoleão que se encontrava no Castelo. O Franceses tinham levado, só do Convento dos Agostinhos, 28 arrobas e 10 arratéis de prata.

Na sequência desta revolta e por ter tido conhecimento dos factos através de um soldado francês que conseguiu fugir, o General D’Avril, comandante das tropas francesas que se encontravam em Estremoz, marcha sobre Vila Viçosa, para esmagar a rebelião, com 350 homens de infantaria, 100 cavalos e duas peças de artilharia.

Infante de Lacerda foi o herói calipolense por esses dias!

Este sargento-mor reformado levou para a Porta do Nós 38 espingardeiros, que se esconderam nos muros e nos telhados da Ilha (a norte do Paço Ducal), com ordem para dispararem sobre os soldados franceses do General D’Avril, que tinha vindo de Estremoz para ajudar a guarnição francesa do Castelo.
Trinta e seis soldados franceses acabaram por perecer nas escaramuças.
Contudo, devido ao número desigual de forças entre franceses e o povo calipolense, a insurreição foi controlada pelos invasores, que entraram pela Porta dos Nós (a antiga Porta da Vila).

Infante de Lacerda não teve outra opção senão fugir para Olivença, onde chegou de madrugada do dia 21, dando conta ao coronel espanhol D. Frederico Moretti y Cascone da insurreição de Vila Viçosa. A maior parte dos revoltosos calipolenses teve fugir para a zona do antigo Convento de São Francisco Velho, no caminho de São Romão.
Durante a ocupação de Vila Viçosa pelas tropas francesas de Napoleão, o Paço dos Sousas da Câmara (na imagem) serviu de quartel-general do estado-maior do General D’Avril e sofreu, nesse período, danos no vestíbulo e escadaria, provocados pelos hussardos a cavalo.

Foi Infante de Lacerda que capitaneou a defesa de Vila Viçosa. Liderou a insurreição de Vila Viçosa contra os Franceses, devendo-se-lhe a organização das forças militares e Juntas Administrativas do Alentejo para se resistir à ocupação estrangeira, tarefa que executou com lealdade e desinteresse.

Em 1809, o Paço Ducal serviu como Hospital de sangue dos feridos da Batalha de Talavera de La Reina (que colocou frente a frente os exércitos aliados do Reino Unido e de Espanha e os Franceses). Morreram em Vila Viçosa muitos ingleses, que tiveram sepultura na várzea do Morgadinho e nuns olivais dos frades agostinhos junto da Horta do Reguengo e na zona sul do Carrascal, que foi o cemitério ordinário dos protestantes ingleses.

Diz o Padre Espanca que Vila Viçosa padecia muito com o alojamento das tropas que por aqui passavam, ou que aqui invernavam. Não respeitavam as propriedades dos locais e seduziam muitas donzelas, que levavam consigo nas retiradas.

FONTE:
ESPANCA, Padre Joaquim José da Rocha - Memórias de Vila Viçosa - caderno 5, Câmara Municipal de Vila Viçosa, Vila Viçosa, 1983 – 1992.






quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

O CASTELO DE VILA VIÇOSA

     De quando datam os primeiros registos do castelo?

Atualmente, o Castelo de Vila Viçosa é composto por três núcleos articulados, de épocas cronológicas diferentes e tipologias variadas. Refletem a evolução destas estruturas militares em diferentes momentos históricos: a cerca da antiga vila medieval (Cerca Velha), a Fortaleza Artilheira, e uma cintura de cortina de traçado tenalhado, do século XVII.

A Cerca Velha, é, provavelmente uma construção iniciada no reinado de D. Afonso III, em 1270, quando da emissão da Carta de Foral, e requalificada  no reinado de D. Dinis.

Que personagens relevantes habitaram o castelo?

D. Fernando I, segundo duque de Bragança, terá nascido na velha alcáçova do Castelo, em 1403. Era neto de D. Nuno Álvares Pereira e foi regente do Reino em 1471. Também D. Jaime, quarto Duque de Bragança, habitou a alcáçova do Castelo, antes da construção do Paço Ducal de Vila Viçosa, em 1501.

O castelo entra em algum episódio da nossa história?

Ao complexo antigo e moderno estão ligados acontecimentos relevantes da história militar de Portugal, como as guerras contra Castela (1381/ 1385), o cerco a Vila Viçosa pelo exército espanhol dirigido pelo Marquês de Caracena quando das Guerras da Restauração, antes da vitoriosa Batalha de Montes Claros de 1665, assim como um papel fulcral na derrota do exército invasor espanhol aquando da Guerra da Sucessão de Espanha, em 1710.
No início do Inverno de 1384, o Fronteiro mor do Alentejo, Nuno Alvares Pereira, ultimava os preparativos para tomar o Castelo de Vila Viçosa. Que estava ocupado pelo alcaide traidor a favor de Castela, Vasco Porcalho.
Em Évora, onde se encontrava, D. Nuno recebe uma carta escrita em nome de alguns moradores de Vila Viçosa, dizendo que, contra sua vontade, estavam retidos pelo Rei castelhano, por traição do alcaide, Vasco Porcalho e que desejavam facilitar a entrada do Santo Condestável na praça, tal como acontecera pouco antes no Castelo de Portel. Esta carta, segundo o Padre Espanca, foi escrita por Porcalho a fim de matar ou prender o D. Nuno.
Ao receber esta missiva, D. Nuno dirigiu-se a Elvas, com o fim de se avistar com a sua mãe Iria Gonçalves do Carvalhal e preparar a tomada de Vila Viçosa. De Elvas encaminhou-se então para Vila Viçosa, de acordo com as indicações da carta que recebera de boa-fé.
Quando se aproximou dos muros da localidade, destacou o seu irmão Fernão Pereira, acompanhado pelo escudeiro Vicente Esteves e por Álvaro Gonçalves. Chegados à porta da Torre de Menagem, por baixo do passadiço a fim de observarem se a porta estava aberta, mandou Vasco Porcalho que fossem lançadas pedras de grande dimensão pelo alçapão daquele local. A consequência deste facto foi a morte imediata de Fernão Pereira e do seu escudeiro, com o capacete e a cabeça esmagados. Álvaro Gonçalves escapou com vida, mas foi feito prisioneiro (só seria libertado depois da batalha de Aljubarrota).
Dentro das muralhas do castelo encontra-se a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, onde está a imagem oferecida pelo Santo Condestável D. Nuno Álvares Pereira, padroeira de Portugal e coroada rainha pelo rei D. João IV. 

Qual foi a principal função do castelo? Até quando foi habitado?

O Castelo de Vila Viçosa, pela sua localização geoestratégica, teve desde a sua construção na Idade Média uma função militar, que foi sendo desenvolvida e melhorada ao longo dos séculos. Como foi salientado, teve também uma função residencial, já que até 1501 nele habitaram os Duques de Bragança.
A partir do século XVI e até ao século XVIII, é habitado pela guarnição militar.

Ainda há descendentes dos últimos habitantes do castelo?

É possível que sim. Existe uma zona residencial no interior da antiga Cerca Velha, junto do Santuário de Nossa Senhora da Conceição.

O castelo tem alguma marca arquitetónica única? Algo que o diferencie dos demais?

Como referimos, o Castelo de Vila Viçosa engloba três fases distintas, em termos de construção. O traçado da Fortaleza Artilheira, único em Portugal, deve-se às obras promovidas por D. Teodósio I, com traça de inspiração italiana, com base nos desenvolvimentos verificados a nível da artilharia, com a introdução de baluartes, torreões e canhoeiras. Esta arquitectura é idêntica à do Castelo de Aguz (Safim), em Marrocos.

Há alguma lenda associada ao castelo?

Diz a lenda que na Rua de Estremoz, viveu o Condestável D. Nuno Álvares Pereira, numa casa com portada de mármore de formato ogival. No início do século XX, uma mulher que vivia numa casa do Castelo, chamada Maria Gertrudes, viúva, passeava, toda vestida de preto, à noite, pelas muralhas com uma candeia de azeite, para os lados do cemitério (que fica no interior do Castelo). Os habitantes de Vila Viçosa, numa altura em que não havia luz elétrica, pensavam que Maria Gertrudes tinha um “pacto” com o Diabo e não se atreviam a entrar naquele local a “horas mortas”. No entanto, chegou-se à conclusão que Maria Gertrudes era vizinha de um guarda-fiscal e quando este recolhia a casa, ela dirigia-se à muralha, a este (para os lados de Espanha), para fazer sinais ao filho, que era contrabandista de profissão, de modo a que este regressasse a casa são e salvo.

Qual a função do castelo atualmente?

Na Fortaleza Artilheira, desde 1999, encontram-se instalados os Museus de Caça e de Arqueologia, integrados no Museu-Biblioteca da Casa de Bragança, propriedade da Fundação da Casa de Bragança. No interior da Cerca Velha, encontram-se o Santuário de Nossa Senhora da Conceição, Padroeira de Portugal.

FONTES BIBLIOGRÁFICAS

CADORNEGA, António de Oliveira; TEIXEIRA, Heitor Gomes (introd. e notas) — Descrição de Vila Viçosa. Lisboa: Imprensa Nacional da Casa da Moeda, 1983 (Biblioteca de Autores Portugueses).
ESPANCA, Pe. Joaquim José da Rocha — Compêndio de Notícias de Villa Viçosa. Redondo: Typ. F. Carvalho, 1892.
ESPANCA, Pe. Joaquim José da Rocha — Memórias de Vila Viçosa. Vila Viçosa: Câmara Municipal de Vila Viçosa, 1983 (Cadernos Culturais; nºs. 5, 6 e 7).
ESPANCA, Túlio — Inventário Artístico de Portugal. IX. Distrito de Évora. Lisboa: Academia Nacional de Belas-Artes, 1978.
TEIXEIRA, José — O Paço Ducal de Vila Viçosa, Sua Arquitetura e Suas Coleções. Lisboa: Fundação da Casa de Bragança, 1983.




quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

A CASA DO PINTOR

A CASA nº 5 da Praça da República (antiga Praça Nova de São Bartolomeu e Praça da Rainha D. Amélia) é uma das mais pitorescas do centro histórico de Vila Viçosa.

Trata-se de uma casa decorada, na verga do portal, de mármore branco, por uma tabela esculpida com paleta e pincéis, marca de António José Pousão, pintor calipolense que, no ano de 1752, a adquiriu por 45 000rs. Este artista, antepassado de Henrique Pousão, exerceu o seu mister em Vila Viçosa e está documentado nas obras fresquistas da Igreja do Convento de São Paulo da Serra de Ossa.

Nesta casa nasceu, em 12 de Maio de 1934, a artista calipolense Leolinda Trindade.

FONTE:

ESPANCA, Túlio - Inventário Artístico de Portugal – Distrito de Évora, Zona Sul, vol. I, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1978.



quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

MARTIM AFONSO DE SOUSA - Um "globetrotter" calipolense do século XVI

Neste momento, está em desenvolvimento um projeto que tem como objetivo fundamental associar, no Brasil, o nome de Martim Afonso de Sousa a Vila Viçosa. 

Tendo em conta a importância deste notável calipolense e o facto de muitas vezes, o seu nome não estar associado a Vila Viçosa, teve como consequência a necessidade de proceder a um estudo mais detalhado sobre aspetos relevantes na vida política do século XVI, em que Martim Afonso de Sousa foi protagonista.
Sobre esta matéria, foi criado em 2014 um grupo de trabalho em Vila Viçosa, que tem vindo a recolher documentação sobre a figura de Martim Afonso de Sousa, através do estabelecimento de contactos com diversas instituições locais e internacionais.
Através de protocolos a criar com a Universidade do Rio de Janeiro e a cidade de São Vicente, penso que seria importante criar formas de diálogo, de modo a promover os fluxos turísticos do contexto brasileiro, em relação a Vila Viçosa.
Numa primeira fase, o objectivo será o da criação de uma página nas redes sociais, com imagens de Vila Viçosa, onde fosse efetuada, de forma clara e objetiva, a ligação entre Martim Afonso de Sousa e Vila Viçosa.
A realização de um vídeo promocional com a colaboração do Agrupamento de Escolas de Vila Viçosa, a ser difundido na Internet (youtube, facebook, twitter, etc.) poderia permitir uma ampla divulgação do nome de Vila Viçosa, com o contributo de colaboradores do lado brasileiro, nomeadamente da Casa-Museu Martim Afonso de Sousa (em São Vicente, onde já foi efetuado um projeto semelhante), da Prefeitura de São Vicente e da Universidade do Rio de Janeiro.
Criar um circuito turístico específico sobre Martim Afonso de Sousa, vocacionado para o público brasileiro, através de uma estratégia de marketing bem fundamentada, poderia ter um impacto muito positivo no futuro turístico de Vila Viçosa. Muitos turistas brasileiros que nos visitam desconhecem de todo esta ligação entre ambos os países.
Estimular, nas escolas e universidades da região, o desenvolvimento de trabalhos académicos sobre a vida e o percurso de Martim Afonso de Sousa seria outro dos desafios a encarar, tendo em consideração que parte da sua vida continua a ser um mistério.
A edição de um livro sobre Vila Viçosa, Martim Afonso de Sousa e o Brasil é outros dos vértices que se pretende dinamizar, em conjugação com um documentário sobre os episódios mais relevantes da sua vida política e militar. Sobre esta temática, ainda há muito por pesquisar.

Quem foi este nobre calipolense?

Martim Afonso de Sousa nasce em Vila Viçosa no ano de 1500.
A sua ação prolongou-se quase ininterruptamente, de 1530 a 1545, ficando marcada pelo exercício exclusivo de funções cimeiras: primeiro a capitania-mor da expedição encarregue de anular a concorrência francesa e de desencadear a colonização do Brasil, esfera em que esteve dotado de alçada equiparável à de um governador (1530-33) e alcançou sucessos que lhe valeram a donataria de algumas capitanias instituídas pela Coroa (1534); depois a capitania-mor do mar da India (1534-1539) e por fim o governo do Estado da India.
Distinguiu-se pelo carácter multifacetado das suas atividades como cortesão, erudito, guerreiro e explorador, que o levaram de Portugal a Espanha, França, Brasil, Índia, locais onde não se limitou à esfera litoral, tendo-se atrevido a avançar por esses territórios mencionados. Foi um verdadeiro cidadão do mundo. Correu as sete partidas, ao serviço da Coroa[1].
Simultaneamente, privou e contactou com estadistas europeus: D. Manuel I, D. João III e D. Sebastião; o Imperador Carlos V; asiáticos como Bahadur Shah, sultão indiano do Guzerate (1526-1537); Salghar Shah, Rei de Ormuz (1535-1544), Ibrahim, sultão indiano de Bujapur (1535-1557), Bhuvaneka Bahu VII, rei cingalês de Kotte (1521-1551); Tabarija, Sultão de Ternate (1532-1545) e o Rajá de Cananor (1527-1547); cientistas (Pedro Nunes e Garcia da Orta), veteranos de guerra, como Gonzalo Fernandez de Cordoba (1453-1515), herói castelhano das guerras de Itália e D. Garcia de Noronha, personalidade portuguesa que assistiu a momentos cruciais da formação do Estado da India e os Jesuítas Francisco Xavier e Garcia de Orta[2].
A sua relação próxima com duas das mais importantes figuras do Reino no século XVI, D. João III e o seu primo D. António de Ataíde, com os quais estabeleceu fortes vínculos pessoais, projetou Martim Afonso em termos de influência e prestígio social[3].
Transformara-se num perfeito cortesão, aprimorando a sua formação pessoal a nível das letras, artes, e da etiqueta dos desportos nobres. Em 1520 é acolhido definita e formalmente ao serviço do príncipe. Não obstante ter mantido uma presença ininterrupta na corte desde 1516, a verdade é que continuava a ser um criado da Casa de Bragança[4].
Foi a ação deste ilustre calipolense que marcou a dinamização da exploração económica e da colonização do Brasil na sequência de vários embates vitoriosos com embarcações francesas, da introdução da cultura da cana-de-açúcar e da instalação de núcleos de povoamento em São Vicente[5].
As mercês que o soberano reservou para Martim Afonso comprovam o grau de satisfação derivado do seu desempenho político e militar. De facto, D. João III acumulou-o, em 1534, com duas capitanias de reconhecida importância (Rio de Janeiro e São Vicente) e as funções de capitão-mor do Mar da India, que o colocavam no segundo lugar da hierarquia oriental, logo depois do governador Nuno da Cunha[6].
Entre 1530 e 1532, o Rei enviou uma esquadra comandada por Martim Afonso de Sousa para impor a autoridade da coroa lusa nas águas brasileiras. O triunfo de Sousa levou o monarca a acreditar que a costa americana estava pacificada e apostou na iniciativa privada para levar a cabo a colonização do Brasil.[7] Em 1530, o nome de Martim Afonso de Sousa é indigitado no comando de uma esquadra, o que acontece a 3 de Dezembro do referido ano. O fidalgo, para além da alçada de capitão-mor, gozaria ainda de uma missão extraordinária que o habilitava a assumir-se como o primeiro governador do Brasil, inserido numa estratégia de relançamento da presença portuguesa na região.
D. João III entregou-lhe a capitania-mor do Brasil, tanto as que já se encontravam sob jurisdição portuguesa como aquelas que Martim Afonso viesse a descobrir e a incorporar nos domínios da Coroa através do assentamento de padrões.
No final dos anos 40 a situação era grave e a Coroa estava em risco de perder o Brasil, devido à incapacidade da maioria dos capitães para desenvolver os seus territórios como unidades políticas e económicas. Foi então que D. João III tomou uma das decisões mais importantes do seu reinado ao criar o governo-geral do Brasil. O monarca reconhecia a importância crucial das terras brasileiras e decidiu complementar o esforço dos particulares com o envolvimento das forças régias. Competia ao governador zelar pelo conjunto das capitanias e usar os meios da Coroa para apoiar as zonas que enfrentassem maiores dificuldades[8].
A missão de Martim Afonso de Sousa no Brasil foi um sucesso, já que sob sua jurisdição, a presença no local conheceu uma forte dinâmica em diversas frentes[9].
- Foi declarada uma caça cerrada aos franceses, com várias ofensivas navais que aumentaram a segurança das atividades comerciais portuguesas. Teve também lugar durante este período a construção de uma estrutura fortificada na baía de Guanabara.
- Promoveu-se um amplo reconhecimento geográfico do litoral brasileiro, sobretudo nas bacias amazónica e platina. A rivalidade luso brasileira em torno desta última motivou a instalação de padrões, recuperando uma antiga prática nacional que caucinava o direito de soberania nas áreas ultramarinas.
- Foram avaliadas as potencialidades de exploração económica do território, quer a nível mineiro, quer a nível agrícola. Foram feitas incursões pelo sertão em busca de metais e pedras preciosas, que surtiram resultados limitados. Em termos agrícolas, foram descobertas as compatibilidades dos solos em São Vicente para a plantação de cana-de-açúcar.
- Estabeleceram-se os núcleos primordiais da colonização portuguesa, através da fundação de duas vilas situadas na zona meridional do espaço brasileiro e da instalação de agentes de povoamento. A primeira e mais importante, a de São Vicente, foi erigida na orla marítima, na enseada do mesmo nome, tendo sido dotada de estruturas defensivas, administrativas, judiciais, religiosas e habitacionais. A de Piratininga foi relegada para uma localização premeditada de relativa interioridade, no planalto que constitui a retaguarda da serra de Paranapiacaba, também designada como Serra do Mar[10].
Martim Afonso de Sousa foi o responsável pela iniciativa privada no desenvolvimento do processo colonizador, ficando o poder central com o papel de fiscalizador. E pela introdução do sistema de capitanias – donatarias.
São Vicente prosperou graças à instalação de muitos agentes de povoamento (600 indivíduos em 1548, que controlavam os destinos de 3000 escravos), à criação de quatro localidades (São Vicente, Santos, São Paulo, Itanhaem, diversas sesmarias e alguns engenhos de açúcar).
Em Novembro de 1533 foi catapultado para a segunda melhor posição da hierarquia politico militar do Estado da India, o da capitania mor. Esta nomeação ficou a dever-se aos êxitos que obtivera no Brasil. Fica clara a ambição de Martim Afonso de Sousa em ascender ao topo da hierarquia do Estado da India. Aqui viveu quatro anos de consecutivas e bem-sucedidas intervenções militares que tornaram Martim Afonso de Sousa como o oficial de maior prestígio do Estado da India[11].
Martim Afonso de Sousa aproveitou a sua passagem pelo Estado Português da Índia (1534-39) para valorizar o seu currículo e a consideração que D. João III nutria por si. Consegui-o graças a assinaláveis êxitos de natureza militar e diplomática, nomeadamente a conquista de Damão, o entendimento com o Sultão de Cambaia, do qual resultou o estabelecimento de uma feitoria em Diu, a tomada da ilha de Repelina, e a derrota do corsário Patemanar, um dos fiéis do Samorim de Calecute na batalha naval junto ao cabo Comorim.

Faleceu em Lisboa no dia 21 de Julho de 1564.




[1] PELÚCIA, Alexandra, Martim Afonso de Sousa e a sua Linhagem: A elite dirigente do Império Português nos Reinados de D. João III e D. Sebastião. Dissertação de Doutoramento em História – Especialidade em História dos Descobrimentos Portugueses e da Expansão Portuguesa, Faculdade de Ciência Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2007
[2] Idem
[3] Idem
[4] Idem
[5] Idem
[6] Idem
[7] COSTA, João Paulo Oliveira e; RODRIGUES, José Damião; OLIVEIRA, Pedro Aires, História da Expansão e do Império Português, Esfera dos Livros, Lisboa, 2014, página 135.
[8]  Idem
[9] PELÚCIA, Alexandra, Martim Afonso de Sousa e a sua Linhagem: A elite dirigente do Império Português nos Reinados de D. João III e D. Sebastião. Dissertação de Doutoramento em História – Especialidade em História dos Descobrimentos Portugueses e da Expansão Portuguesa, Faculdade de Ciência Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2007.
[10] Idem
[11] Idem


segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

A "Avenida das Oficinas" de Vila Viçosa

Em Janeiro de 1928, era lançado, em Vila Viçosa, o 1º número da Revista Portuguesa, uma publicação trimestral, dirigida por Lopes Manso e José Emídio Amaro (um distinto Calipolense, que fará parte da próxima edição do livro sobre os Notáveis).
Este primeiro número contou com a colaboração da Poetisa Florbela Espanca, cuja obra só viria a merecer reconhecimento público depois da sua morte, em 1930.
Tratava-se de uma edição de abrangência nacional, tendo como foco privilegiado o Alentejo, do ponto de vista social, económico e cultural.

Nesta primeira edição, surge um curioso artigo sobre a exploração dos mármores em Vila Viçosa da autoria de Bonfilho Faria (também ele um Notável Calipolense), canteiro de profissão, escultor e Diretor técnico da Sociedade de Mármores de Vila Viçosa.

Esta empresa, cuja oficina estava situada no Campo da Restauração, na designada “Avenida das Oficinas”, (que surge na imagem), ganhou dois primeiros prémios nas Exposições Industriais de Estremoz em 1926 e 1927. A sua fundação teve como objetivo promover a indústria dos mármores “finíssimos” de Vila Viçosa e que, na altura, já rivalizavam com os melhores mármores de Itália.
No referido artigo, defende o autor que o Alentejo deste tempo, para além de ser uma província essencialmente agrícola, cuja produção cerealífera constituía a mais importante parcela para o abastecimento do país, possuía outras “virtudes”.

Preconizava já em 1928 que a riqueza extraordinária dos calcários em “jazigos inesgotáveis” (?), desde Estremoz até Vila Viçosa, viria a constituir um enorme motor de desenvolvimento económico no futuro. Salientava que era precisamente neste último concelho que se encontravam os “mais preciosos filões”.
Bonfilho Faria escreveu que três elementos valiosíssimos reuniram-se aqui por “milagre da Natureza” e contribuíram maravilhosamente para a riqueza extraordinária dos mármores calipolenses: “a abundância, a estrutura translúcida e cristalina, de beleza incomparável e a variedade das suas cores e tons”. Defendia que os jazigos desta zona seriam dos mais numerosos e extensos do Mundo.
Só no concelho de Vila viçosa, onde existiam as espécies mais fina e onde estava, à época, concentrada grande parte da exploração, “havia mármores para abastecer todo o país e satisfazer, durante muitos séculos, as exigências de exportação, por muito intensificada que esta seja”.
Explorado desde os tempos remotos da antiga Lusitânia, o mármore alentejano correu o Mundo, tendo sido levado no tempo dos Descobrimentos, segundo Bonfilho Faria, para a Índia, África e Brasil.

Nas Herdades da Vigária, Coutos e Lagoa e noutras propriedades adjacentes, numa extensão de muitos quilómetros, os jazigos sucediam-se em enormes proporções, à “flor da terra” e constituíam uma “toalha marmórea colossal”, que maravilhava e surpreendia todos os técnicos estrangeiros que a contemplavam.
E se existia em quantidade, o mármore de Vila Viçosa era também destacado pela sua excelente qualidade. Não tinham rival em nenhum outro lugar, pela “aliança privilegiada da abundância de jazigos com a extraordinária variedade e grande percentagem de tipos finíssimos”. Nas pedreiras de Vila Viçosa dominava o rosa creme (que era o mais procurado nos mercados), mas também existiam o branco neve, o rosa vivo e o branco raiado.

Não devemos esquecer que este artigo foi escrito antes da grande industrialização deste sector, que irá ser iniciada a partir de 1950. Nos nossos dias, assistimos a uma estagnação desta atividade, provavelmente derivada da crise global e de novos mercados produtores em expansão.
Terá havido um erro de análise de Bonfilho Faria quando refere que os filões existentes em Vila Viçosa seriam “inesgotáveis”? Será que ainda existe mármore de qualidade no anticlinal? O que poderá ser feito para dinamizar este sector? Apostar em novos produtos? Em novos mercados?
São questões de difícil resposta, tendo em conta as condicionantes e as dificuldades relativas ao escoamento de produtos e de subprodutos.

Em menos de um século, a pujança anunciada sobre a importância e a qualidade dos mármores desta região desvaneceu-se… Só resta uma memória distante desses tempos áureos, em que o mármore era o principal motor de desenvolvimento.
O que deverá ser feito?
Dar um novo alento à indústria do mármore ou enveredar por novas formas de progresso económico?




quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

AS ERMIDAS MISTICAS DE SÃO PEDRO E DE NOSSA SENHORA DAS MERCÊS – Antigos lugares de culto religioso em Bencatel

O primeiro edifício (São Pedro), situado no Monte Del-Rei, terá sido fundado no século XIV por Gonçalo Martins e pelo seu filho Lourenço Gonçalves, casado com Maria Lourenço, em terras de sua propriedade e cedida, com um pequeno quintal na parte sul, ao clérigo Fernão Afonso e a João Afonso, ambos eremitas da Congregação de São Paulo, para nela organizarem uma província filial da casa-mãe da Serra de Ossa.

Túlio Espanca não conseguiu identificar o ano desta doação, mas existe uma confirmação dela passada a 9 de Novembro de 1431, pelo Conde de Arraiolos D. Fernando (2.º Duque de Bragança), sendo já falecidos os seus doadores.

O eremitério extinguiu-se pouco tempo depois, por estes religiosos terem ingressado no Convento do Redondo e os monges terem aforado as casas e o terreno anexo por 2400 rs, verba que foi paga até 1890 à Fazenda Nacional. A propriedade pertence atualmente aos herdeiros do antigo Almoxarife da Casa de Bragança, José Basílio Aça Castelo Branco.

Em meados do século XVII, o vigário da vara de Vila Viçosa, Diogo Vieira e uma sua sobrinha de nome Maria Francisca, residente na localidade, ofereceram ao templo uma imagem com o título de Nossa Senhora das Mercês, que lhe havia sido doada por uma espanhola peregrina e curandeira.
Esta imagem foi colocada no altar-mor e passou a ter um culto muito elevado de devotos do lugar a ponto de, já no ano de 1718, a consagração a Nossa Senhora das Mercês ter absorvido, popularmente, o culto ancestral de São Pedro.

Erigida, mais tarde, a capelinha privativa de Nossa Senhora das Mercês (ao lado da anterior), embora ligada ao edifício antigo, os respetivos mordomos, pelo aumento do volume das peregrinações, ordenaram a construção de hospedarias para visitantes religiosos, tornando-se célebres as romagens promovidas pelas vilas de Terena e Redondo, realizadas anualmente no dia 8 de Setembro.

Os edifícios das antigas Ermidas estão voltados a ocidente, concebidos em alvenaria recoberta de sucessivas camadas de cal e construídas no sistema arquitetónico de aro ruralista alentejano.

A atual Ermida de São Pedro é provavelmente um edifício do século XVI, com uma frontaria de alpendre e três arcos redondos, muito semelhante à das Ermidas de São Jerónimo, na Tapada e de São Bento, ambas em Vila Viçosa. Contêm pinturas de tinta de água da primeira metade do século XIX.

A Ermida de Nossa Senhora das Mercês tem uma dimensão mais reduzida e a sua traça atual é recente, tendo sido concluída em 1838. Tem um portal marmóreo e um frontão simples e triangular. Tem também no seu interior um conjunto de pinturas florais neoclássicas e a cruz da Ordem de Avis, que absorveram as ainda visíveis composições barrocas, de ornatos e arabescos, de 1700. Possui um retábulo em mármore, obra de canteiro local.

São portanto dois espaços religiosos contíguos que marcam a paisagem da freguesia de Bencatel, no caminho para São Tiago de Rio de Moinhos. No entanto, as referências informativas existentes no local apenas descrevem a Ermida de Nossa Senhora das Mercês.

FONTES:

ESPANCA, Túlio Inventário Artístico de Portugal – Distrito de Évora, Zona Sul, vol. I, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1978.





segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

HISTÓRIA DA LUZ ELÉTRICA EM VILA VIÇOSA

No dia 24 de Janeiro de 1926, foi inaugurada a luz elétrica em Vila Viçosa. 

Nas imagens, podemos ver os candeeiros no Terreiro do Paço.

A SOFAL (Sociedade Fabril Alentejana), instalada no antigo Convento de São Paulo, era a produtora de energia, que depois fornecia à Câmara Municipal, para a iluminação pública e para os consumidores particulares.

Até essa data, a iluminação de Vila Viçosa era feita por lanternas de petróleo. Os primeiros candeeiros foram colocados no ano de 1876.

No início do século XX, era João Raio, que também era coveiro, que, de escadas às costas e com uma pequena lanterna, percorria as ruas para cumprir esta missão.
Encostava a escada de madeira à consola da lanterna, acendia o pavio com a lanterna que transportava e com ele acendia a lamparina de petróleo.


Muitas vezes, as mesmas apagavam-se de seguida. 

Por essa época, as ruas estavam quase às escuras o que fazia aumentar o receio de sair da porta de casa “fora de horas”. A escuridão das ruas fazia com que surgissem muitas lendas e histórias mas explicadas, como a da “Bruxa do Castelo”…



sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

O FORTE DO CONDE, EM SÃO ROMÃO

As origens do Forte do Conde (nome pelo qual a Herdade do Forte do Ferragudo é amplamente conhecida) remontam ao tempo do capitão de cavalos André Mendes Lobo, que nela se estabeleceu, pela sua importância agrícola e populacional, durante as Guerras da Restauração (século XVII).

Pela sua localização geográfica, próxima da fronteira com Espanha, foi aqui estabelecida uma cortina fortificada, obra militar de feição precária, mas guarnecida por milicianos. Tinha ainda como função a proteção de manadas de cavalos reais que pastavam na região, tendo em conta que a propriedade confinava com o Reguengo do Fatalão, propriedade da Casa de Bragança.

Em Junho de 1662, na primeira campanha do Príncipe espanhol D. João de Áustria, toda esta incipiente obra defensiva sofreu um arrasamento total. Mais tarde, em 1667, estando por firmar a Paz Geral entre Portugal e Espanha, um contingente de cavalaria da praça de Badajoz, de forma inesperada, levou um número muito considerável de cavalos, que não puderam ser recuperados.

No ano de 1670, sendo propriedade do capitão de cavalos Ambrósio Pereira de Berredo e Castro, pelo seu matrimónio com D. Maria Lobo da Silveira, filha do instituidor, nela se edificou uma Ermida dedicada a Nossa Senhora dos Remédios, para recolher a célebre imagem que seu avô, D. Francisco Lobo (capitão-mor da Esquadra da Índia, comandada pelo Vice-Rei D. Francisco da Gama, que se bateu gloriosamente contra os Holandeses em Moçambique, em 1622).
Esta imagem foi concebida em Lisboa em 1587 e ficou depositada ao culto, durante muitos anos, na Sé de Goa.

Ambrósio Pereira, que morreu sendo Governador da Ilha de São Tomé, deixou a propriedade do Forte do Ferragudo a sua filha D. Joana Vicência de Meneses, que casou com Bernardim Freire de Andrade e de cujo enlace nasceram 20 filhos. O mais famoso de todos foi Gomes Freire de Andrade, governador e capitão-general do Brasil, por nomeação de D. João V, em 1733.

O edifício da Ermida teve como tracista o mestre-de-obras Lázaro Moniz, empreiteiro de Vila Viçosa. A nave possui planta retangular, mantém a estrutura da data de fundação, distribuindo-se em proporções muito harmoniosas, com coro e capela-mor de arco pleno. No seu interior podemos também encontrar silhares de azulejos policromos, do modelo de tapete naturalista, de fatura lisbonense e datáveis do séc. XVII. Possui também um púlpito de caixa quadrada e a grade divisória do presbitério do mesmo período histórico.

A designação de Forte do Conde vem do reinado de D. José (século XVIII) e prolongou-se até à atualidade, apesar do alienamento da propriedade se ter verificado depois de 1867, após a morte da última donatária fidalga, D. Maria Isabel Freire de Andrade e Castro, viúva do seu tio paterno Bernardim Freire de Andrade e Castro, representante dos últimos Condes da Bobadela, senhora que faleceu sem geração e que legou os seus bens a corporações religiosas.



Esta herdade fica situada a 3 quilómetros de São Romão, na estrada que faz a ligação a Juromenha e tem cerca de 900 hectares.

 BIBLIOGRAFIA

ESPANCA, Padre Joaquim José da Rocha, Memórias de Vila Viçosa, 36 cads., Câmara Municipal de Vila Viçosa, Vila Viçosa, 1983 – 1992.
Idem, Compêndio de notícias de Villa Viçosa: província do Alentejo, Typ. De Francisco de Paula Oliveira Carvalho, Redondo, 1892 (HG 13830 V.)

ESPANCA, Túlio Inventário Artístico de Portugal – Distrito de Évora, Zona Sul, vol. I, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1978.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

MOINHO DE PAPEL –Um dos primeiros engenhos da Península Ibérica

Neste local, ainda existente, mas em ruínas, a cerca de 4 km de Vila Viçosa (próximo dos muros da Tapada Real), foi criado, em 1636, um Moinho de Papel, a expensas do 8º Duque de Bragança, D. João II (futuro Rei D. João IV, o primeiro da dinastia brigantina).

Terá sido um dos primeiros engenhos para a produção de papel na Península Ibérica. Para o seu funcionamento, o Duque contratou um mestre, Francisco Ortiz de Montesinhos e quatro oficiais. O papel aí produzido destinava-se à administração da Casa de Bragança.

O oitavo Duque de Bragança interessou-se por diversas atividades, nomeadamente a produção de vidro e a livraria musical, dedicando também a sua atenção ao papel e à tipografia, chegando mesmo a ser impressos dois livros em Vila Viçosa (um no próprio Paço Ducal). Para o efeito, mandou vir de Évora o impressor Manuel de Carvalho de modo a compor e a imprimir em papel francês as referidas obras.[1]

Este facto é revelador do interesse do Duque de Bragança pela arte impressora, talvez a pensar na livraria de música, famosa desde a sua época, e também no próprio papel, suporte inquestionável para este fim e para a administração da Casa de Bragança[2].
O moinho era um edifício imponente (22,5 x 9,5 metros), sendo ainda hoje visíveis as paredes altas (três pisos) e está situada na zona de confluência das Ribeiras de Borba e do Beiçudo.
Tem uma orientação este/oeste e, no lado norte, no ponto de chegada de um aqueduto, existe uma grande cuba de alvenaria. Daí a água passava, ao longo da parede, indo mover a roda do engenho de modo a fazer trabalhar os martelos do pilão.

No piso térreo, onde existia o podridor (local para deixar apodrecer o trapo), retalhava-se e lavava-se o referido material, fazia-se a pasta e limpavam-se os feltros ou as baetas. No primeiro andar, procedia-se à feitura das folhas com as formas e à prensagem do papel dentro das baetas, para escorrer o resto da água[3].
A operação de colocar o papel dentro da tina da cola decorria novamente no rés-do-chão, mas a secagem na zona de espande, ou seja, no segundo andar, onde existiam cinco janelas de cada lado e mais três à frente, que permitiam arejar e secar bem o papel. Talvez ainda nessa zona, ou no primeiro andar, se procedesse ao acabamento, através da operação de brunir, alisar e fazer as resmas.[4]
A partir do Inverno de 1640, na medida em que o oitavo Duque foi aclamado Rei de Portugal, a atividade do Moinho de Papel foi diminuindo.
Muito do que existia no Paço Ducal seguiu para a corte de Lisboa, nomeadamente o arquivo e a livraria de música[5].

Em 1999, a Câmara Municipal de Vila Viçosa, através do Gabinete Técnico Local, sob a direção do Arquiteto Cuba Ramalho, desenvolveu um excelente trabalho sobre a arquitetura da Água em Vila Viçosa.
 No concerne ao Moinho de Papel, foi editado, numa investigação de muita qualidade, um desdobrável em cartolina com uma reconstituição dos alçados, cortes e plantas do engenho, bem como uma nota explicativa, com fotografias e gravuras.[6]

Trata-se de mais um exemplo de património em avançado estado de degradação, que seria urgente recuperar, tendo em conta a sua importância histórica. Sendo uma propriedade privada, creio que poderiam ser desenvolvidos esforços pelas entidades competentes para a aquisição da Courelinha do Moinho de Papel e reabilitação do edifício.
Tendo em conta o trabalho já realizado, penso que seria conveniente avançar para a classificação deste imóvel enquanto Património de Interesse Municipal, conforme proposta de 2007 apresentada pelo Dr. João Ruas.
Porque não criar aqui um centro interpretativo, com a recuperação dos espaços e funções referidas, que mostrasse ao visitante como era feita a produção de papel no século XVII, através de uma demonstração da evolução técnica e das operações utilizadas para este efeito.
A criação de uma parceria entre o Município, a Fundação da Casa de Bragança e o proprietário poderia ser a base de um projeto para a reabilitação deste espaço histórico.




[1] RUAS, João, O Engenho de papel, Revista MONUMENTOS nº 27, Revista Semestral de Monumentos e Sítios, IHRU, 2007, p.152
[2] Idem
[3] Idem
[4] Idem
[5] Idem
[6] Idem