A
Igreja de Santa Cruz de Vila Viçosa e o seu conjunto conventual primitivo, com
origem no séc. XVI, constituem uma estrutura essencial para a compreensão da
evolução urbana de Vila Viçosa. Por outro lado, o espólio que se encontra
contido na Igreja justifica uma reflexão mais aprofundada sobre a sua origem e
o seu futuro. É neste contexto que se insere este artigo, como consequência da
importância patrimonial do imóvel e das suas coleções.
Os
conjuntos conventuais, agregados muitas vezes a igrejas, tal como neste caso
específico, oferecem aspetos que merecem uma atenção particular. Tais
conjuntos, de vincado carácter simbólico e acompanhando durante a sua longa
existência o pulsar espiritual, cultural e social dos aglomerados urbanos
envolventes, constituem um verdadeiro documento histórico.
Nos
casos mais frequentes, os edifícios desafetados foram aproveitados para
instalar quartéis e hospitais. Muitos espaços foram também aproveitados para
fábricas, no contexto do processo de industrialização que se prolongou pelo
séc. XIX, muitos outros ainda para universidades, museus, asilos, e serviços de
administração pública.
O
estudo desenvolvido permitiu um conhecimento da globalidade das suas vertentes,
que se prende com a sua fundação monástica; com os principais acontecimentos da
sua história; na relação do edifício com o local de implantação e com a área
envolvente; com o entendimento da organização funcional e espacial; com o modo
como se estabeleceram as diferentes fases de construção; com os materiais e sistemas
construtivos em presença; com as diferentes funções que atualmente desempenha,
e com o seu estado de conservação.
O
CONVENTO E A IGREJA DE SANTA CRUZ
Integrado
na Ordem de Santo Agostinho, o Convento de Santa Cruz implantou-se no casario
da vila nos inícios do séc. XVI, mais precisamente no ano de 1525 ou de 1529,
graças ás doações de umas casas pertencentes ao Padre Mendo Rodrigues de
Vasconcelos, capelão do Duque de Bragança D. Jaime. Ocupou vasta zona central
da vila, compreendida entre a Rua da Corredoura – para onde dá a frontaria - e
as travessas de Santo António e de Santa Cruz.
Trata-se
de um conjunto atualmente dividido por vários proprietários, revelando vários
momentos construtivos, desde a sua génese até aos nossos dias, dos quais se
encontram sinais explícitos nas suas formas e no volume da atual igreja.
Devemos salientar que a edificação de um convento, quer no interior do tecido urbano consolidado, quer na periferia, representava sempre um elemento de qualificação do espaço em que se inseria. Esta situação é perfeitamente visível na concepção da malha urbana envolvente ao edifício.
Devemos salientar que a edificação de um convento, quer no interior do tecido urbano consolidado, quer na periferia, representava sempre um elemento de qualificação do espaço em que se inseria. Esta situação é perfeitamente visível na concepção da malha urbana envolvente ao edifício.
Por
outro lado, é curioso verificar que, quer como pólos dinâmicos, quer como
barreiras, a generalidade dos edifícios conventuais, tal como acontece neste
caso específico, constituem sempre espaços a um tempo rígidos- na medida em que
marcam fortemente as malhas, não sendo fácil alterar as dimensões e o
edificado- e flexíveis, pois permitem vários usos, em sucessão temporal ou em
simultâneo, através da segmentação.
A
estrutura inicial da construção do convento teve início no local onde se
encontra a portaria e onde está edificada a igreja. Este aspeto reveste-se de
uma capital importância na medida em que, tal como acontece em relação à
maioria das implantações conventuais, a relação dos edifícios com as vias de
comunicação é um fator primordial. De facto, a construção deste espaço
localizou-se precisamente na Rua da Corredoura (actual Rua Florbela Espanca),
uma dos percursos de comunicação mais importantes deste período, devido ao
facto de estabelecer a ligação entre o Castelo e o Paço Ducal.
Outro fator que é primordial em qualquer estabelecimento, a água, não constituía problema, uma vez que a zona em que se implanta a vila (e particularmente o espaço ocupado pelo convento) é abundante em água.
Outro fator que é primordial em qualquer estabelecimento, a água, não constituía problema, uma vez que a zona em que se implanta a vila (e particularmente o espaço ocupado pelo convento) é abundante em água.
As
primeiras religiosas vieram do Mosteiro de Santa Mónica, de Évora e foram as
madres Margarida de Jesus Nunes, sua sobrinha Leonor da Cruz, que se
recolheram, inicialmente, na clausura das Chagas, em construção.
A tipologia espacial presente na Igreja e nos coros insere-se nas características arquitetónicas dos mosteiros femininos do inicio do séc. XVI em Portugal, definindo-se estas características pela localização dos coros em frente ao altar, em dois pisos sobrepostos, com grande profundidade, realizando-se a entrada dos fiéis pela parede lateral da nave.
A tipologia espacial presente na Igreja e nos coros insere-se nas características arquitetónicas dos mosteiros femininos do inicio do séc. XVI em Portugal, definindo-se estas características pela localização dos coros em frente ao altar, em dois pisos sobrepostos, com grande profundidade, realizando-se a entrada dos fiéis pela parede lateral da nave.
Em
27 de Dezembro de 1529 realizou-se a cerimónia da 1ª profissão, na pessoa de
Leonor da Cruz e no dia 1 de Janeiro do ano seguinte começou a funcionar
regularmente em comunidade claustral. A superfície ocupada pelo convento ocupou
uma área considerável no centro urbano de Vila Viçosa, compreendido entre a Rua
Florbela Espanca (antiga Rua da Corredoura, onde se situa a frontaria axial),
Rua de Santo António e Rua de Santa Cruz, e em 1598 foi obtida autorização do
conselho de Filipe II para proceder à anexação da Rua da Torre.
No
ano de 1678, conseguiram as freiras, através de doações e por compra, estender
a cerca até à Travessa do Valderrama. As principais empreitadas do edifício
tiveram a proteção do Duque D. Teodósio II, que contribui para o início da
construção do dormitório grande, para a Rua Florbela Espanca, o mirante, e a
torre da igreja. A conclusão final do referido espaço (dormitório) teve efeito
segundo contrato firmado no dia 4 de Fevereiro de 1653 pelo tabelião Francisco
Durães e os oficiais de pedraria Pedro Ledo e Francisco Gonçalves, pela verba
de 450 000 reis.
Os
dormitórios gerais foram ampliados em 1707, sob a direção do mestre
Domingos Nunes, em acordo firmado com a comunidade, sem dispêndio de
verbas, mas somente pela condição de aproveitamento de materiais de demolições
feitas nas casas adquiridas em espaços anexos e na admissão claustral, de sua
filha Inês Maria Cordeiro e da neta Catarina Maria Furtado, filha de João
Proença.
Outras obras importantes efetuadas em relação ao Convento foram realizadas durante este período, nomeadamente em 1767, sendo prioresa Maria Rosa de Santa Rita, em 1774, procedeu-se a uma empreitada de carpintaria no noviciado, reparos na botica e no muro do quintal velho; no período compreendido entre 1776 e 1778 foi efetuada a retificação da frontaria do convento e instalados novos telhados; de 1785 a 1788 foram construídas as varandas, os dormitórios grandes, o ante-coro e o dormitório das noviças.
Outras obras importantes efetuadas em relação ao Convento foram realizadas durante este período, nomeadamente em 1767, sendo prioresa Maria Rosa de Santa Rita, em 1774, procedeu-se a uma empreitada de carpintaria no noviciado, reparos na botica e no muro do quintal velho; no período compreendido entre 1776 e 1778 foi efetuada a retificação da frontaria do convento e instalados novos telhados; de 1785 a 1788 foram construídas as varandas, os dormitórios grandes, o ante-coro e o dormitório das noviças.
Em
1794 procedeu-se a outra intervenção nos dormitórios com o custo de 12 825 reis
e ainda a conclusão do restauro das varandas, onde se gastaram 29 115 reis. Os
imóveis comprados para as ampliações de 1640, 1678 e 1699, incluindo o
ferragial que se transformou em cerca, haviam pertencido a Gonçalo Mendes
Mergulhão, assistente na Índia (este grupo foreiro a D. Luís de Noronha e sua
esposa D. Violante da Cunha) e a Francisco de Abreu. Os dados retirados do
Inventário Artístico de Portugal permitem constatar que de facto, desde a sua
fundação, o Convento de Santa Cruz ocupou uma importância significativa no
tecido urbano de Vila Viçosa, que foi complementado no séc. XVI e XVII, o que
confirma o seu desenvolvimento em termos arquitectónicos e um número crescente
de religiosas a integrarem este espaço.
De
facto, professaram nesta casa até 1826 trezentas e quarenta e cinco monjas de
véu negro, sendo a derradeira madre Henriqueta Máxima Peregrina do Céu,
existindo catorze religiosas em 1834, aquando da publicação do decreto que
extinguiu as ordens religiosas em Portugal. No ano de 1754, professavam no
Convento noventa e cinco monjas, sob o priorado de soror Mariana Micaela de
Jesus.
O
mosteiro foi encerrado oficialmente no dia 13 de Julho de 1883, por morte da
última professa do hábito, Soror Rosa Adeodata de Santo Agostinho Regalo, tendo
ficado devoluto depois da saída de todas as criadas e educandas. Este facto
constituiu uma consequência directa da aplicação do decreto de Extinção das
Ordens Religiosas, em 1834.
A
Igreja, na eminência de perder o culto regular, foi cedida a título definitivo
pela Câmara Eclesiástica de Évora e pelo administrador do Concelho de Vila
Viçosa, Diogo de Castro, às Confrarias das Almas, erectas no templo do Espirito
Santo, após diligências generosas dos habitantes da vila João António Correia
Fusco, Mariano da Boa Morte Rosa e Francisco José Farrifa.
Esta
cedência causou a delapidação, a posterior adaptação, a reconstrução, a divisão
e a mutilação deste espaço. No entanto, foi esta ocupação leiga, laica e
asfixiante que salvou, em última instância, o Convento de Santa Cruz da
destruição total.
No entanto, como já foi referido, este lugar regular foi profundamente remodelado após a extinção da ordem religiosa, por imposição de novas utilizações dos espaços. De facto, tal como salienta Nuno Teotónio Pereira, durante os cem anos após a extinção das ordens religiosas, Portugal não necessitou de proceder à construção de grandes edifícios públicos. A preocupação era adaptar esses inúmeros espaços distribuídos por todo o território nacional às mais diversas utilizações.
No entanto, como já foi referido, este lugar regular foi profundamente remodelado após a extinção da ordem religiosa, por imposição de novas utilizações dos espaços. De facto, tal como salienta Nuno Teotónio Pereira, durante os cem anos após a extinção das ordens religiosas, Portugal não necessitou de proceder à construção de grandes edifícios públicos. A preocupação era adaptar esses inúmeros espaços distribuídos por todo o território nacional às mais diversas utilizações.
A
cerimónia de entronização das respectivas imagens, nos altares colaterais da
nave, teve efeito com grande solenidade no dia 4 de Novembro de 1883. O
convento, cedido à Câmara após hasta pública deserta e dividido em três secções
pouco depois de 1890, converteu-se em Escola Régia, moradia de professores
primários e de empregados municipais e nela ainda funcionaram dois teatros
populares, o posto de polícia, a sede dos Bombeiros Voluntários (que se mantém
na actualidade), a estação dos Correios Telégrafos e Telefones e, em todo o
piso térreo do claustro, a Sociedade Artística Calipolense.
Este
facto é comprovado com a emissão de um documento (carta de lei), emitido pelo
Ministério dos Negócios da Fazenda datado de 16 de Julho de 1889, onde está
referida a concessão do extinto convento de Santa Cruz, para a instalação de
escolas do ensino complementar e suplementar, assim como para outros estabelecimentos
de utilidade municipal. Também estava indicada no documento a autorização para
alargamento da Rua da Torre, na ala sul do edifício do Convento.
Segundo
análise do documento, comprova-se que a Câmara Municipal do Concelho de Vila
Viçosa já tinha obtido anteriormente a posse provisória do edifício, por
decreto do poder executivo. A única cláusula referida no documento que revoga a
anterior decisão tomada em relação ao edifício indica que este espaço retornará
para a posse do Estado português caso não sejam cumpridas as indicações
referidas anteriormente, e seja dada uma nova aplicação ao Convento que não
estava prevista no decreto referido.
A
partir de Maio de 1891, foi igualmente inaugurado neste espaço o Clube
Literário e Recreativo, consagrado á oficialidade da guarnição da vila, com um
teatro privativo, que recebeu o nome de Duque de Bragança, sendo seu presidente
o coronel Júlio César Ferreira Quaresma e tesoureiro o almoxarife do Paço
Ducal, António da Conceição e Silva. Estes factos confirmam a elevada dimensão
do convento, na medida em que a sua divisão deu origem a um conjunto
significativo de instalações de diversos serviços e instituições que em alguns
casos subsistiram até à actualidade (nomeadamente, o caso da Sociedade
Artística Calipolense e o antigo Quartel dos Bombeiros Voluntários de Vila
Viçosa).
Contudo,
a estrutura básica da Igreja e do Convento manteve-se até à actualidade, com
alguns reajustamentos e adaptações efectuadas de modo a permitir a
funcionalidade de cada área de acordo com a função que fosse estabelecida. A
partir de 1911, dá-se uma nova vaga de ocupação destes espaços, com a
intervenção em locais onde a função continuara a ser semelhante à da sua
vocação original. Desta forma, o mapa dos conventos coincidia (e na maioria dos
casos de forma definitiva) com o de muitas escolas, hospitais, quartéis,
asilos, museus ou demais estabelecimentos da administração pública.
À
excepção da Igreja, cuja propriedade pertence à Fábrica Paroquial da Igreja de
São Bartolomeu, todos os outros sectores do Convento que iremos analisar e que
são propriedade da Câmara Municipal de Vila Viçosa, estão neste momento cedidos
a diversos organismos de Vila Viçosa, nomeadamente e como já foi referido, à
Sociedade Artística Calipolense (toda a área envolvente ao claustro do piso
térreo), á Associação Juvenil Dr. Jardim, ao Instituto Português da Juventude,
ao Lions Clube de Vila Viçosa ao Calipolense - Clube Desportivo de Vila
Viçosa e à Sociedade Filarmónica Calipolense nos pisos superiores.
Todas
estas entidades procederam a algumas alterações em relação à original concepção
arquitectónica do edifício. Deste modo, a portaria monástica não sofreu
alterações substanciais.
As
referências históricas efectuadas em relação ao Convento e Igreja de Santa Cruz
podem encontrar-se em diversos títulos bibliográficos, nomeadamente através da
descrição elaborada por António de Oliveira Cadornega (capitão reformado,
cidadão de São Paulo de Assunção e Juíz Ordinário, que era natural de Vila
Viçosa), em 1683. Este autor descreveu de igual modo todo o património
edificado deste contexto, salientando as suas principais características.
Esta
obra foi oferecida ao Conde de Ericeira, D. Luís de Menezes. As indicações
relativas ao Convento de Santa Cruz são as seguintes:
"... O último Convento que aí naquela
dilatada Vila é o Convento da Evocação de Santa Cruz, que, como sinal e
bandeira tão excelente da nossa redenção se fala nele, tendo-se falado dos
mais. Mas como sempre quem vai no extremo da procissão, ou acompanhamento que
seja, leva o milhor lugar, não haverá que pôr culpa ao escritor desta narração
o parecer que houve nisso descuido, sendo que não foi senão de passado por mais
excelência. É este dito convento subordinado ao Convento de Nossa Senhora da
Graça, daquele grande Doutor da Igreja militante Santo Agostinho..."
Estas indicações são referidas e provam que o autor possuía um conhecimento
muito vasto sobre o contexto calipolense, nomeadamente no que concerne a
acontecimentos e edifícios importantes de Vila Viçosa. A sua análise sobre o
Convento de Santa Cruz contém ainda as seguintes indicações:
"... Tem esta clausura gente de muita
nobreza e qualidade, sendo mais geral ao comum que, como apelido e vocação é de
quem foi o principal estromento de redenção do género humano, rezão era que
este sagrado convento fosse a todos comum, não havendo pera a entrada nele
exceição de pessoa, sendo de pais cristãos e católicos do Grémio da Santa Madre
Igreja de Roma."
Para
a elaboração deste trabalho, surgiram algumas dificuldades relativamente à
descrição contemporânea da Igreja de Santa Cruz, na medida em que a sua
fundação data do inicio do séc. XVI, e a primeira referência ao referido espaço
surge em 1683, através da obra que acabámos de citar.
Consolidada
após o terramoto de 1755, verifica-se que as frontarias encontram-se hoje muito
modificadas, apenas se mantendo o carácter original da silhueta da igreja
voltada ao ocidente, onde se destaca a torre quadrada- que se deve ao Duque D.
Teodósio II- e a portada do templo, de mármore estilo Renascença, com frontão
triangular pousado sobre colunas dóricas estriadas.
O
corpo interior mantém a estrutura original de uma só nave de planta
rectangular. A capela-mor, profundamente alterada no séc. XVII, apresenta
retábulo de talha dourada, de interessante traça barroca, ladeado por altares
colaterais dedicados a Nossa Senhora dos Prazeres e Santa Mónica, decorados por
frontais de azulejos policromos.
Relativamente
ao modelo arquitectónico definido relativamente aos conventos de religiosas e
na opinião de João Miguel Simões, na obra “Conversas à volta dos Conventos” é
referido que o Convento de Santa Clara de Évora, edificado em 1610 estabeleceu
o protótipo contra-reformista para os conventos femininos em que a Igreja
deixava de ter qualquer ornamento exterior, excluindo mesmo a fachada do
edifício, passando a entrada do templo a ser feita por uma porta lateral.
Contudo,
esta ocorrência verifica-se na Igreja do Convento de Santa Cruz, mas, no
entanto, a data de edificação deste espaço remonta a 1525. O mesmo autor refere
que, a partir de 1610, as religiosas passavam a assistir ao culto na retaguarda
ou no coro alto, separadas do público por pesadas grades de ferro.
A
CRIAÇÃO DO MUSEU DE ARTE SACRA DA IGREJA DE SANTA CRUZ
No
ano de 1955, alguns responsáveis eclesiásticos de Vila Viçosa optaram então
pela Igreja de Santa Cruz como local de salvaguarda de um espólio constituído
por aproximadamente cerca de 500 peças de Arte Sacra.
A
iniciativa da recolha de peças e da posterior criação do Museu de Arte Sacra
foi da responsabilidade dos Párocos António Pacheco de Barbosa Mendonça e Padre
José Inácio Dias Duarte. O local escolhido para colocação das peças foi
precisamente a Igreja de Santa Cruz, por recomendação do Arcebispo de Évora na
época, D. Manuel da Conceição Santos. Este espaço oferecia garantias de
segurança e não era necessário para o culto religioso regular. Estes argumentos
estiveram na origem da escolha para a concretização do museu e a apresentação
da colecção.
Foi
desta forma iniciada a recolha de alfaias religiosas já referidas e que não
eram utilizadas em termos litúrgicos, em várias igrejas de Vila Viçosa e de
concelhos adjacentes (Borba e Alandroal). Entre a vasta colecção depositada na
Igreja de Santa Cruz, destacavam-se, peças de imaginária, paramentaria,
mobiliário, ourivesaria e pintura, sobretudo do séc. XVII e XVIII. A pesquisa e
recolha do acervo foi concebida pelos párocos já indicados (António Pacheco de
Barbosa Mendonça e José Inácio Dias Duarte) com a colaboração em termos de
organização dos párocos João António de Deus, e posteriormente, o pároco
Edmundo Alves. Todo o processo foi acompanhado pelo grupo “Amigos de Vila
Viçosa”.
A
fase de aplicação e concretização do museu foi acompanhada pela elaboração de
um documento que continha uma série de normas e cláusulas a aplicar, e uma
relação de todas as peças integrantes da colecção à data de abertura do museu
ao público. Este documento continha uma série de cláusulas que regulamentavam a
exposição e o armazenamento das peças no espaço da Igreja (aliás, único espaço
disponível para a colocação dos objectos).
Entre
elas, podemos destacar a futura recolha de objectos que já não fossem
necessários para a realização do culto religioso nas Igrejas de Vila Viçosa ou
nas suas arrecadações, evitando-se assim o risco da sua perda ou degradação, a
possibilidade de integração de depósitos de particulares e a hipótese de
requisição de objectos, desde que fundamentada a sua necessidade de utilização
para o culto divino. Deste modo, ficou definido que recolheriam ao museu todos
os objectos que já não servissem para o culto e se encontrassem em vias de se
perderem.
Foi
elaborado um Livro de Tombo, com o registo de todos os bens do Museu, a
indicação da sua proveniência e a sua datação histórica. Este documento foi
autenticado com as assinaturas dos Párocos envolvidos neste processo e os selos
das Freguesias de São Bartolomeu e Nossa Senhora da Conceição, tendo-se
procedido posteriormente à elaboração de três cópias, que ficaram na posse de
cada um dos párocos, um exemplar no Arquivo do Museu e o original enviado à
Câmara Eclesiástica de Évora.
Também
poderiam dar entrada no Museu outras alfaias de culto, dignas de serem
expostas, quer fossem de pratas ou paramentos em uso, que poderiam ser
requisitadas pelos Párocos ou Reitores das Igreja a que pertençam, sempre que
fossem necessárias para o culto divino. Nenhuma das Igrejas perderia o direito
às suas peças que se encontrassem expostas no museu. Também poderiam recolher
ao Museu objectos de proprietários particulares, que ficariam em depósito nas
mesmas condições das alfaias pertencentes às diversas Igrejas aí representadas.
Cumpridas
todas as regras, procedeu-se à cerimónia de abertura do museu ao público com a
designação de Museu de Arte Sacra “D. Manuel Mendes da Conceição Santos”,
arcebispo de Évora entretanto falecido. O acontecimento teve lugar no dia 8 de
Dezembro de 1955, dia da Festa de Nossa Senhora da Conceição.
O
espaço foi inaugurado pelo então nomeado Arcebispo de Évora, D. Manuel Trindade
Salgueiro, na presença das autoridades civis e religiosas e da população da
localidade. Esta conjugação de esforços dos párocos de Vila Viçosa para juntar
no Museu peças de várias Igrejas e Instituições, que continuavam aliás a ser
pertença dos respectivos proprietários, constitui uma realização nem sempre
fácil de conseguir e que mereceu e merece, continuar a ser apoiada.
A
colecção subdivide-se nas secções de ourivesaria, escultura, pintura,
mobiliário e paramentaria. As obras de arte sacra que constituem o acervo do
museu possuem uma intenção específica e bem delineada, na medida em que
ultrapassaram um carácter meramente ornamental, definindo decisivamente a
espiritualidade simbólica deste espaço.
Os
objectos que formam o conteúdo das colecções do museu de Arte Sacra foram
recolhidos de diversas igrejas da área eclesiástica circundante, e estão
colocadas arbitrariamente e, por questões de dificuldade científica,
distribuídas por todo o edifício, que não reúne as mínimas condições em termos
museográficos, que permita a adequada exposição das peças ao público.
A secção de
ourivesaria, a mais notável de todo o conjunto, com algumas peças de pintura e
imaginária, está reunida no coro alto, área do conjunto edificado que reúne as
condições mais favoráveis em termos de preservação e segurança.
Os
núcleos de escultura, paramentaria, pintura e mobiliário estão distribuídos
pelos corpos térreos da igreja, salientando-se a existência de exemplares que
possuem merecimento artístico, histórico e patrimonial, que deverão ser
salvaguardados e preservados. Relativamente ao corpo da nave, podemos destacar
a existência de vários objectos de imaginária, provenientes sobretudo do
período barroco.
Devemos
salientar a imagem de São João Evangelista, de madeira intensamente
polícromada, de estilo barroco e do período inicial de D. João V, padroeiro da
Igreja da casa professa dos Jesuítas de Vila Viçosa. Também existe uma imagem
de São João Baptista, concebido em madeira policromada bem esculpida, datada do
séc. XVII, proveniente da Igreja da Matriz de Vila Viçosa. Destaque também para
as imagens de Nossa Senhora da Graça de madeira estofada do séc. XVII e Nossa
Senhora do Rosário, de madeira policromada do séc. XVIII, antiga titular da
Confraria erecta na Igreja do Espirito Santo.
Devemos
referir também a existência de uma imagem gótica de São Sebastião, padroeira da
destruída ermida municipal de seu nome, que foi destruída em 1858 e estava
situada na Rua da Aldeia de Cima. Esta peça foi retirada da Igreja em meados
dos anos 70 e encontra-se actualmente no Museu de Arte Sacra da Sé de Évora.
Segundo as informações recolhidas, trata-se da peça com maior antiguidade do
original acervo do Museu de Arte Sacra da Igreja de Santa Cruz.
À semelhança do que sucede em relação aos outros objectos do
museu, a proveniência destas peças é variada, e a sua origem pode ser
encontrada nas diversas igrejas de Vila Viçosa e áreas circundantes que não
eram utilizadas no culto religioso. As peças que compõem esta categoria são as
seguintes: Cruz Relicário da Irmandade do Senhor Jesus dos Passos, que terá
sido uma provável oferta do duque D. Teodósio II, que foi muito devoto e
desvelado protector da Confraria da Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo , erecta
no Mosteiro de Santo Agostinho, executada por ourives anónimo no ano de 1598,
data que se encontra gravada na parte inferior interna da base. Destinava-se
essencialmente, ao cortejo solene das procissões da penitência e das Cinzas.
Todo
o discurso expositivo referido encontrava--se imutável desde a concepção do
museu em 1955 até 2008, na medida em que não foram verificadas quaisquer
alterações à disposição inicial das peças, ordenadas segundo critérios
puramente baseados em aspectos formais ou cronológicos, consoante a matéria ou
a datação.
Infelizmente,
por impossibilidade de manutenção, o museu encerrou as suas portas em 1957, até
ao ano de 1997.
Durante
este longo período temporal, e dadas as condições ambientais do edifício
(valores elevados de humidade relativa e temperaturas não adequadas á
preservação da colecção) os objectos sofreram um processo de degradação de
elevadas proporções, o que originou a necessidade de se proceder a uma
intervenção em termos de restauro em relação à maioria das peças aí contidas.
Durante o ano 2001 e 2002, o Museu encontrava-se aberto ao público, através da
aplicação de um protocolo de cooperação entre a entidade tutelar (Paróquia de
São Bartolomeu) e a Região de Turismo de Évora.
Passados
mais de 50 anos, sem que tenha havido qualquer tipo de intervenção, quer a
nível da conservação do edifício, quer da manutenção ou adaptação museográfica,
o museu sofreu em 2007 um processo de intervenção, que reabilitou toda a
estrutura arquitectónica e que permitiu, em conjugação com um programa
museológico, a instalação de uma exposição permanente sobre Arte Sacra.
Este
facto permitiu a abertura do Museu ao público, em condições excepcionais,
nomeadamente em relação a exposições temporárias, sobre diferentes temas.
De
facto, e segundo os especialistas, o acervo deste espaço contém algumas das
mais importantes peças sobre esta temática, ao nível da Arquidiocese de Évora.
O trabalho efectuado pela equipa de Inventário da Arquidiocese de Évora
permitiu a constatação deste facto e realçou a importância de Vila Viçosa no que concerne a esta matéria.
A
ACTUALIDADE
Integrado
num ambiente urbano secular, constituído por notáveis exemplares de
arquitectura vernácula, militar, senhorial e religiosa, que constituem um
precioso registo histórico da importância patrimonial de Vila Viçosa, é notório
que a peça arquitectónica e o seu conteúdo devem ser valorizados e divulgados de modo efectivo. Este trabalho pretende também constituir um contributo
válido para a compreensão da história local e para a caracterização integral do
edifício em questão.
A
actual pretensão de divulgar a unidade museológica no interior do espaço que
forma a Igreja de Santa Cruz, capaz de responder às solicitações da comunidade
local e dos visitantes e que cumpra com eficácia todas as funções inerentes à pesquisa museal,
surge na sequência da perda do culto religioso e no facto do aproveitamento do
edifício para a integração, preservação e exposição de peças de Arte Sacra
ocorrer desde 1955.
Deste
modo, a intenção de revitalizar este espaço tem em conta o seu passado remoto e
recente, e tem como objectivo preservar e salvaguardar o património móvel e
imóvel que compõe o conjunto. Desta forma, a acção de aí conceber um espaço
museológico teve como directriz a valorização de uma colecção
patrimonial de carácter sacro, possibilitando a conservação, a investigação, a
divulgação e exposição de uma herança que constitui parte integrante da
história calipolense, salvaguardada e mantida num ambiente reabilitado,
recuperado e adaptado em pleno às suas novas funções.
O
objectivo consiste sobretudo na abertura do museu à comunidade, numa dinâmica sócio-cultural enriquecedora que não se limita somente
às funções já referidas, na medida em que não deverá o museu restringir a sua
acção à concepção estática de conservar, restaurar e expor o património
tangível, porque também será importante valorizar a vertente intangível, que
remete para a identidade, a personalidade e a história do próprio edifício e da comunidade religiosa que aí habitou até ao século XIX.
É graças à ação de alguns voluntários e da entidade tutelar, a Fábrica Paroquial de São Bartolomeu, que o Museu de Arte Sacra se encontra actualmente aberto ao público, possibilitando, deste modo, a preservação e a fruição de um importante legado ao nível da arte sacra.
É graças à ação de alguns voluntários e da entidade tutelar, a Fábrica Paroquial de São Bartolomeu, que o Museu de Arte Sacra se encontra actualmente aberto ao público, possibilitando, deste modo, a preservação e a fruição de um importante legado ao nível da arte sacra.
Devemos
salientar também que os Museus, independentemente da sua vocação ou tutela,
surgem cada vez mais como pontes de diálogo entre a diversidade cultural das
diferentes sociedades e regiões, como sustentáculos da memória e da consciência
da sociedade e assumem-se como verdadeiros habitáculos vivos do património
cultural.
BIBLIOGRAFIA
ESPANCA,
Padre Joaquim José da Rocha, Memórias de Vila Viçosa, 36 cads., Câmara
Municipal de Vila Viçosa, Vila Viçosa, 1983 – 1992.
Idem, Compêndio
de notícias de Villa Viçosa: província do Alentejo, Typ. De Francisco de Paula
Oliveira Carvalho, Redondo, 1892 (HG 13830 V.)
ESPANCA,
Túlio Inventário Artístico de Portugal – Distrito de Évora, Zona Sul, vol. I,
Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1978.
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