terça-feira, 3 de janeiro de 2017

O Museu de Arte Sacra da Igreja de Santa Cruz de Vila Viçosa

A Igreja de Santa Cruz de Vila Viçosa e o seu conjunto conventual primitivo, com origem no séc. XVI, constituem uma estrutura essencial para a compreensão da evolução urbana de Vila Viçosa. Por outro lado, o espólio que se encontra contido na Igreja justifica uma reflexão mais aprofundada sobre a sua origem e o seu futuro. É neste contexto que se insere este artigo, como consequência da importância patrimonial do imóvel e das suas coleções.
Os conjuntos conventuais, agregados muitas vezes a igrejas, tal como neste caso específico, oferecem aspetos que merecem uma atenção particular. Tais conjuntos, de vincado carácter simbólico e acompanhando durante a sua longa existência o pulsar espiritual, cultural e social dos aglomerados urbanos envolventes, constituem um verdadeiro documento histórico.
 Nos casos mais frequentes, os edifícios desafetados foram aproveitados para instalar quartéis e hospitais. Muitos espaços foram também aproveitados para fábricas, no contexto do processo de industrialização que se prolongou pelo séc. XIX, muitos outros ainda para universidades, museus, asilos, e serviços de administração pública.
 O estudo desenvolvido permitiu um conhecimento da globalidade das suas vertentes, que se prende com a sua fundação monástica; com os principais acontecimentos da sua história; na relação do edifício com o local de implantação e com a área envolvente; com o entendimento da organização funcional e espacial; com o modo como se estabeleceram as diferentes fases de construção; com os materiais e sistemas construtivos em presença; com as diferentes funções que atualmente desempenha, e com o seu estado de conservação.


O CONVENTO E A IGREJA DE SANTA CRUZ

Integrado na Ordem de Santo Agostinho, o Convento de Santa Cruz implantou-se no casario da vila nos inícios do séc. XVI, mais precisamente no ano de 1525 ou de 1529, graças ás doações de umas casas pertencentes ao Padre Mendo Rodrigues de Vasconcelos, capelão do Duque de Bragança D. Jaime. Ocupou vasta zona central da vila, compreendida entre a Rua da Corredoura – para onde dá a frontaria - e as travessas de Santo António e de Santa Cruz.
Trata-se de um conjunto atualmente dividido por vários proprietários, revelando vários momentos construtivos, desde a sua génese até aos nossos dias, dos quais se encontram sinais explícitos nas suas formas e no volume da atual igreja. 
Devemos salientar que a edificação de um convento, quer no interior do tecido urbano consolidado, quer na periferia, representava sempre um elemento de qualificação do espaço em que se inseria. Esta situação é perfeitamente visível na concepção da malha urbana envolvente ao edifício.
Por outro lado, é curioso verificar que, quer como pólos dinâmicos, quer como barreiras, a generalidade dos edifícios conventuais, tal como acontece neste caso específico, constituem sempre espaços a um tempo rígidos- na medida em que marcam fortemente as malhas, não sendo fácil alterar as dimensões e o edificado- e flexíveis, pois permitem vários usos, em sucessão temporal ou em simultâneo, através da segmentação.
A estrutura inicial da construção do convento teve início no local onde se encontra a portaria e onde está edificada a igreja. Este aspeto reveste-se de uma capital importância na medida em que, tal como acontece em relação à maioria das implantações conventuais, a relação dos edifícios com as vias de comunicação é um fator primordial. De facto, a construção deste espaço localizou-se precisamente na Rua da Corredoura (actual Rua Florbela Espanca), uma dos percursos de comunicação mais importantes deste período, devido ao facto de estabelecer a ligação entre o Castelo e o Paço Ducal. 
Outro fator que é primordial em qualquer estabelecimento, a água, não constituía problema, uma vez que a zona em que se implanta a vila (e particularmente o espaço ocupado pelo convento) é abundante em água.
 As primeiras religiosas vieram do Mosteiro de Santa Mónica, de Évora e foram as madres Margarida de Jesus Nunes, sua sobrinha Leonor da Cruz, que se recolheram, inicialmente, na clausura das Chagas, em construção. 
A tipologia espacial presente na Igreja e nos coros insere-se nas características arquitetónicas dos mosteiros femininos do inicio do séc. XVI em Portugal, definindo-se estas características pela localização dos coros em frente ao altar, em dois pisos sobrepostos, com grande profundidade, realizando-se a entrada dos fiéis pela parede lateral da nave.
Em 27 de Dezembro de 1529 realizou-se a cerimónia da 1ª profissão, na pessoa de Leonor da Cruz e no dia 1 de Janeiro do ano seguinte começou a funcionar regularmente em comunidade claustral. A superfície ocupada pelo convento ocupou uma área considerável no centro urbano de Vila Viçosa, compreendido entre a Rua Florbela Espanca (antiga Rua da Corredoura, onde se situa a frontaria axial), Rua de Santo António e Rua de Santa Cruz, e em 1598 foi obtida autorização do conselho de Filipe II para proceder à anexação da Rua da Torre.
No ano de 1678, conseguiram as freiras, através de doações e por compra, estender a cerca até à Travessa do Valderrama. As principais empreitadas do edifício tiveram a proteção do Duque D. Teodósio II, que contribui para o início da construção do dormitório grande, para a Rua Florbela Espanca, o mirante, e a torre da igreja. A conclusão final do referido espaço (dormitório) teve efeito segundo contrato firmado no dia 4 de Fevereiro de 1653 pelo tabelião Francisco Durães e os oficiais de pedraria Pedro Ledo e Francisco Gonçalves, pela verba de 450 000 reis.
Os dormitórios gerais foram ampliados em 1707, sob a direção do mestre  Domingos Nunes, em acordo firmado com a comunidade, sem dispêndio de verbas, mas somente pela condição de aproveitamento de materiais de demolições feitas nas casas adquiridas em espaços anexos e na admissão claustral, de sua filha Inês Maria Cordeiro e da neta Catarina Maria Furtado, filha de João Proença. 
Outras obras importantes efetuadas em relação ao Convento foram realizadas durante este período, nomeadamente em 1767, sendo prioresa Maria Rosa de Santa Rita, em 1774, procedeu-se a uma empreitada de carpintaria no noviciado, reparos na botica e no muro do quintal velho; no período compreendido entre 1776 e 1778 foi efetuada a retificação da frontaria do convento e instalados novos telhados; de 1785 a 1788 foram construídas as varandas, os dormitórios grandes, o ante-coro e o dormitório das noviças.
Em 1794 procedeu-se a outra intervenção nos dormitórios com o custo de 12 825 reis e ainda a conclusão do restauro das varandas, onde se gastaram 29 115 reis. Os imóveis comprados para as ampliações de 1640, 1678 e 1699, incluindo o ferragial que se transformou em cerca, haviam pertencido a Gonçalo Mendes Mergulhão, assistente na Índia (este grupo foreiro a D. Luís de Noronha e sua esposa D. Violante da Cunha) e a Francisco de Abreu. Os dados retirados do Inventário Artístico de Portugal permitem constatar que de facto, desde a sua fundação, o Convento de Santa Cruz ocupou uma importância significativa no tecido urbano de Vila Viçosa, que foi complementado no séc. XVI e XVII, o que confirma o seu desenvolvimento em termos arquitectónicos e um número crescente de religiosas a integrarem este espaço.
De facto, professaram nesta casa até 1826 trezentas e quarenta e cinco monjas de véu negro, sendo a derradeira madre Henriqueta Máxima Peregrina do Céu, existindo catorze religiosas em 1834, aquando da publicação do decreto que extinguiu as ordens religiosas em Portugal. No ano de 1754, professavam no Convento noventa e cinco monjas, sob o priorado de soror Mariana Micaela de Jesus.
O mosteiro foi encerrado oficialmente no dia 13 de Julho de 1883, por morte da última professa do hábito, Soror Rosa Adeodata de Santo Agostinho Regalo, tendo ficado devoluto depois da saída de todas as criadas e educandas. Este facto constituiu uma consequência directa da aplicação do decreto de Extinção das Ordens Religiosas, em 1834.
 A Igreja, na eminência de perder o culto regular, foi cedida a título definitivo pela Câmara Eclesiástica de Évora e pelo administrador do Concelho de Vila Viçosa, Diogo de Castro, às Confrarias das Almas, erectas no templo do Espirito Santo, após diligências generosas dos habitantes da vila João António Correia Fusco, Mariano da Boa Morte Rosa e Francisco José Farrifa.
Esta cedência causou a delapidação, a posterior adaptação, a reconstrução, a divisão e a mutilação deste espaço. No entanto, foi esta ocupação leiga, laica e asfixiante que salvou, em última instância, o Convento de Santa Cruz da destruição total. 
No entanto, como já foi referido, este lugar regular foi profundamente remodelado após a extinção da ordem religiosa, por imposição de novas utilizações dos espaços. De facto, tal como salienta Nuno Teotónio Pereira, durante os cem anos após a extinção das ordens religiosas, Portugal não necessitou de proceder à construção de grandes edifícios públicos. A preocupação era adaptar esses inúmeros espaços distribuídos por todo o território nacional às mais diversas utilizações.
A cerimónia de entronização das respectivas imagens, nos altares colaterais da nave, teve efeito com grande solenidade no dia 4 de Novembro de 1883. O convento, cedido à Câmara após hasta pública deserta e dividido em três secções pouco depois de 1890, converteu-se em Escola Régia, moradia de professores primários e de empregados municipais e nela ainda funcionaram dois teatros populares, o posto de polícia, a sede dos Bombeiros Voluntários (que se mantém na actualidade), a estação dos Correios Telégrafos e Telefones e, em todo o piso térreo do claustro, a Sociedade Artística Calipolense.
Este facto é comprovado com a emissão de um documento (carta de lei), emitido pelo Ministério dos Negócios da Fazenda datado de 16 de Julho de 1889, onde está referida a concessão do extinto convento de Santa Cruz, para a instalação de escolas do ensino complementar e suplementar, assim como para outros estabelecimentos de utilidade municipal. Também estava indicada no documento a autorização para alargamento da Rua da Torre, na ala sul do edifício do Convento.
Segundo análise do documento, comprova-se que a Câmara Municipal do Concelho de Vila Viçosa já tinha obtido anteriormente a posse provisória do edifício, por decreto do poder executivo. A única cláusula referida no documento que revoga a anterior decisão tomada em relação ao edifício indica que este espaço retornará para a posse do Estado português caso não sejam cumpridas as indicações referidas anteriormente, e seja dada uma nova aplicação ao Convento que não estava prevista no decreto referido.
A partir de Maio de 1891, foi igualmente inaugurado neste espaço o Clube Literário e Recreativo, consagrado á oficialidade da guarnição da vila, com um teatro privativo, que recebeu o nome de Duque de Bragança, sendo seu presidente o coronel Júlio César Ferreira Quaresma e tesoureiro o almoxarife do Paço Ducal, António da Conceição e Silva. Estes factos confirmam a elevada dimensão do convento, na medida em que a sua divisão deu origem a um conjunto significativo de instalações de diversos serviços e instituições que em alguns casos subsistiram até à actualidade (nomeadamente, o caso da Sociedade Artística Calipolense e o antigo Quartel dos Bombeiros Voluntários de Vila Viçosa).
Contudo, a estrutura básica da Igreja e do Convento manteve-se até à actualidade, com alguns reajustamentos e adaptações efectuadas de modo a permitir a funcionalidade de cada área de acordo com a função que fosse estabelecida. A partir de 1911, dá-se uma nova vaga de ocupação destes espaços, com a intervenção em locais onde a função continuara a ser semelhante à da sua vocação original. Desta forma, o mapa dos conventos coincidia (e na maioria dos casos de forma definitiva) com o de muitas escolas, hospitais, quartéis, asilos, museus ou demais estabelecimentos da administração pública.
 À excepção da Igreja, cuja propriedade pertence à Fábrica Paroquial da Igreja de São Bartolomeu, todos os outros sectores do Convento que iremos analisar e que são propriedade da Câmara Municipal de Vila Viçosa, estão neste momento cedidos a diversos organismos de Vila Viçosa, nomeadamente e como já foi referido, à Sociedade Artística Calipolense (toda a área envolvente ao claustro do piso térreo), á Associação Juvenil Dr. Jardim, ao Instituto Português da Juventude, ao Lions Clube de Vila Viçosa  ao Calipolense - Clube Desportivo de Vila Viçosa e à Sociedade Filarmónica Calipolense  nos pisos superiores.
Todas estas entidades procederam a algumas alterações em relação à original concepção arquitectónica do edifício. Deste modo, a portaria monástica não sofreu alterações substanciais.
As referências históricas efectuadas em relação ao Convento e Igreja de Santa Cruz podem encontrar-se em diversos títulos bibliográficos, nomeadamente através da descrição elaborada por António de Oliveira Cadornega (capitão reformado, cidadão de São Paulo de Assunção e Juíz Ordinário, que era natural de Vila Viçosa), em 1683. Este autor descreveu de igual modo todo o património edificado deste contexto, salientando as suas principais características.
 Esta obra foi oferecida ao Conde de Ericeira, D. Luís de Menezes. As indicações relativas ao Convento de Santa Cruz são as seguintes:

            "... O último Convento que aí naquela dilatada Vila é o Convento da Evocação de Santa Cruz, que, como sinal e bandeira tão excelente da nossa redenção se fala nele, tendo-se falado dos mais. Mas como sempre quem vai no extremo da procissão, ou acompanhamento que seja, leva o milhor lugar, não haverá que pôr culpa ao escritor desta narração o parecer que houve nisso descuido, sendo que não foi senão de passado por mais excelência. É este dito convento subordinado ao Convento de Nossa Senhora da Graça, daquele grande Doutor da Igreja militante Santo Agostinho..."

            Estas indicações são referidas e provam que o autor possuía um conhecimento muito vasto sobre o contexto calipolense, nomeadamente no que concerne a acontecimentos e edifícios importantes de Vila Viçosa. A sua análise sobre o Convento de Santa Cruz contém ainda as seguintes indicações:

            "... Tem esta clausura gente de muita nobreza e qualidade, sendo mais geral ao comum que, como apelido e vocação é de quem foi o principal estromento de redenção do género humano, rezão era que este sagrado convento fosse a todos comum, não havendo pera a entrada nele exceição de pessoa, sendo de pais cristãos e católicos do Grémio da Santa Madre Igreja de Roma."

 Para a elaboração deste trabalho, surgiram algumas dificuldades relativamente à descrição contemporânea da Igreja de Santa Cruz, na medida em que a sua fundação data do inicio do séc. XVI, e a primeira referência ao referido espaço surge em 1683, através da obra que acabámos de citar.
Consolidada após o terramoto de 1755, verifica-se que as frontarias encontram-se hoje muito modificadas, apenas se mantendo o carácter original da silhueta da igreja voltada ao ocidente, onde se destaca a torre quadrada- que se deve ao Duque D. Teodósio II- e a portada do templo, de mármore estilo Renascença, com frontão triangular pousado sobre colunas dóricas estriadas.
O corpo interior mantém a estrutura original de uma só nave de planta rectangular. A capela-mor, profundamente alterada no séc. XVII, apresenta retábulo de talha dourada, de interessante traça barroca, ladeado por altares colaterais dedicados a Nossa Senhora dos Prazeres e Santa Mónica, decorados por frontais de azulejos policromos.
 Relativamente ao modelo arquitectónico definido relativamente aos conventos de religiosas e na opinião de João Miguel Simões, na obra “Conversas à volta dos Conventos” é referido que o Convento de Santa Clara de Évora, edificado em 1610 estabeleceu o protótipo contra-reformista para os conventos femininos em que a Igreja deixava de ter qualquer ornamento exterior, excluindo mesmo a fachada do edifício, passando a entrada do templo a ser feita por uma porta lateral.
Contudo, esta ocorrência verifica-se na Igreja do Convento de Santa Cruz, mas, no entanto, a data de edificação deste espaço remonta a 1525. O mesmo autor refere que, a partir de 1610, as religiosas passavam a assistir ao culto na retaguarda ou no coro alto, separadas do público por pesadas grades de ferro.

A CRIAÇÃO DO MUSEU DE ARTE SACRA DA IGREJA DE SANTA CRUZ


No ano de 1955, alguns responsáveis eclesiásticos de Vila Viçosa optaram então pela Igreja de Santa Cruz como local de salvaguarda de um espólio constituído por aproximadamente cerca de 500 peças de Arte Sacra.
 A iniciativa da recolha de peças e da posterior criação do Museu de Arte Sacra foi da responsabilidade dos Párocos António Pacheco de Barbosa Mendonça e Padre José Inácio Dias Duarte. O local escolhido para colocação das peças foi precisamente a Igreja de Santa Cruz, por recomendação do Arcebispo de Évora na época, D. Manuel da Conceição Santos. Este espaço oferecia garantias de segurança e não era necessário para o culto religioso regular. Estes argumentos estiveram na origem da escolha para a concretização do museu e a apresentação da colecção.
Foi desta forma iniciada a recolha de alfaias religiosas já referidas e que não eram utilizadas em termos litúrgicos, em várias igrejas de Vila Viçosa e de concelhos adjacentes (Borba e Alandroal). Entre a vasta colecção depositada na Igreja de Santa Cruz, destacavam-se, peças de imaginária, paramentaria, mobiliário, ourivesaria e pintura, sobretudo do séc. XVII e XVIII. A pesquisa e recolha do acervo foi concebida pelos párocos já indicados (António Pacheco de Barbosa Mendonça e José Inácio Dias Duarte) com a colaboração em termos de organização dos párocos João António de Deus, e posteriormente, o pároco Edmundo Alves. Todo o processo foi acompanhado pelo grupo “Amigos de Vila Viçosa”.
 A fase de aplicação e concretização do museu foi acompanhada pela elaboração de um documento que continha uma série de normas e cláusulas a aplicar, e uma relação de todas as peças integrantes da colecção à data de abertura do museu ao público. Este documento continha uma série de cláusulas que regulamentavam a exposição e o armazenamento das peças no espaço da Igreja (aliás, único espaço disponível para a colocação dos objectos).
Entre elas, podemos destacar a futura recolha de objectos que já não fossem necessários para a realização do culto religioso nas Igrejas de Vila Viçosa ou nas suas arrecadações, evitando-se assim o risco da sua perda ou degradação, a possibilidade de integração de depósitos de particulares e a hipótese de requisição de objectos, desde que fundamentada a sua necessidade de utilização para o culto divino. Deste modo, ficou definido que recolheriam ao museu todos os objectos que já não servissem para o culto e se encontrassem em vias de se perderem.
Foi elaborado um Livro de Tombo, com o registo de todos os bens do Museu, a indicação da sua proveniência e a sua datação histórica. Este documento foi autenticado com as assinaturas dos Párocos envolvidos neste processo e os selos das Freguesias de São Bartolomeu e Nossa Senhora da Conceição, tendo-se procedido posteriormente à elaboração de três cópias, que ficaram na posse de cada um dos párocos, um exemplar no Arquivo do Museu e o original enviado à Câmara Eclesiástica de Évora.
Também poderiam dar entrada no Museu outras alfaias de culto, dignas de serem expostas, quer fossem de pratas ou paramentos em uso, que poderiam ser requisitadas pelos Párocos ou Reitores das Igreja a que pertençam, sempre que fossem necessárias para o culto divino. Nenhuma das Igrejas perderia o direito às suas peças que se encontrassem expostas no museu. Também poderiam recolher ao Museu objectos de proprietários particulares, que ficariam em depósito nas mesmas condições das alfaias pertencentes às diversas Igrejas aí representadas.
Cumpridas todas as regras, procedeu-se à cerimónia de abertura do museu ao público com a designação de Museu de Arte Sacra “D. Manuel Mendes da Conceição Santos”, arcebispo de Évora entretanto falecido. O acontecimento teve lugar no dia 8 de Dezembro de 1955, dia da Festa de Nossa Senhora da Conceição.
O espaço foi inaugurado pelo então nomeado Arcebispo de Évora, D. Manuel Trindade Salgueiro, na presença das autoridades civis e religiosas e da população da localidade. Esta conjugação de esforços dos párocos de Vila Viçosa para juntar no Museu peças de várias Igrejas e Instituições, que continuavam aliás a ser pertença dos respectivos proprietários, constitui uma realização nem sempre fácil de conseguir e que mereceu e merece, continuar a ser apoiada.
A colecção subdivide-se nas secções de ourivesaria, escultura, pintura, mobiliário e paramentaria. As obras de arte sacra que constituem o acervo do museu possuem uma intenção específica e bem delineada, na medida em que ultrapassaram um carácter meramente ornamental, definindo decisivamente a espiritualidade simbólica deste espaço.
Os objectos que formam o conteúdo das colecções do museu de Arte Sacra foram recolhidos de diversas igrejas da área eclesiástica circundante, e estão colocadas arbitrariamente e, por questões de dificuldade científica, distribuídas por todo o edifício, que não reúne as mínimas condições em termos museográficos, que permita a adequada exposição das peças ao público.
 A secção de ourivesaria, a mais notável de todo o conjunto, com algumas peças de pintura e imaginária, está reunida no coro alto, área do conjunto edificado que reúne as condições mais favoráveis em termos de preservação e segurança.
Os núcleos de escultura, paramentaria, pintura e mobiliário estão distribuídos pelos corpos térreos da igreja, salientando-se a existência de exemplares que possuem merecimento artístico, histórico e patrimonial, que deverão ser salvaguardados e preservados. Relativamente ao corpo da nave, podemos destacar a existência de vários objectos de imaginária, provenientes sobretudo do período barroco.
 Devemos salientar a imagem de São João Evangelista, de madeira intensamente polícromada, de estilo barroco e do período inicial de D. João V, padroeiro da Igreja da casa professa dos Jesuítas de Vila Viçosa. Também existe uma imagem de São João Baptista, concebido em madeira policromada bem esculpida, datada do séc. XVII, proveniente da Igreja da Matriz de Vila Viçosa. Destaque também para as imagens de Nossa Senhora da Graça de madeira estofada do séc. XVII e Nossa Senhora do Rosário, de madeira policromada do séc. XVIII, antiga titular da Confraria erecta na Igreja do Espirito Santo.
Devemos referir também a existência de uma imagem gótica de São Sebastião, padroeira da destruída ermida municipal de seu nome, que foi destruída em 1858 e estava situada na Rua da Aldeia de Cima. Esta peça foi retirada da Igreja em meados dos anos 70 e encontra-se actualmente no Museu de Arte Sacra da Sé de Évora. Segundo as informações recolhidas, trata-se da peça com maior antiguidade do original acervo do Museu de Arte Sacra da Igreja de Santa Cruz.
  
 À semelhança do que sucede em relação aos outros objectos do museu, a proveniência destas peças é variada, e a sua origem pode ser encontrada nas diversas igrejas de Vila Viçosa e áreas circundantes que não eram utilizadas no culto religioso. As peças que compõem esta categoria são as seguintes: Cruz Relicário da Irmandade do Senhor Jesus dos Passos, que terá sido uma provável oferta do duque D. Teodósio II, que foi muito devoto e desvelado protector da Confraria da Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo , erecta no Mosteiro de Santo Agostinho, executada por ourives anónimo no ano de 1598, data que se encontra gravada na parte inferior interna da base. Destinava-se essencialmente, ao cortejo solene das procissões da penitência e das Cinzas.
Todo o discurso expositivo referido encontrava--se imutável desde a concepção do museu em 1955 até 2008, na medida em que não foram verificadas quaisquer alterações à disposição inicial das peças, ordenadas segundo critérios puramente baseados em aspectos formais ou cronológicos, consoante a matéria ou a datação.
Infelizmente, por impossibilidade de manutenção, o museu encerrou as suas portas em 1957, até ao ano de 1997.
Durante este longo período temporal, e dadas as condições ambientais do edifício (valores elevados de humidade relativa e temperaturas não adequadas á preservação da colecção) os objectos sofreram um processo de degradação de elevadas proporções, o que originou a necessidade de se proceder a uma intervenção em termos de restauro em relação à maioria das peças aí contidas. Durante o ano 2001 e 2002, o Museu encontrava-se aberto ao público, através da aplicação de um protocolo de cooperação entre a entidade tutelar (Paróquia de São Bartolomeu) e a Região de Turismo de Évora. 
Passados mais de 50 anos, sem que tenha havido qualquer tipo de intervenção, quer a nível da conservação do edifício, quer da manutenção ou adaptação museográfica, o museu sofreu em 2007 um processo de intervenção, que reabilitou toda a estrutura arquitectónica e que  permitiu, em conjugação com um programa museológico, a instalação de uma exposição permanente sobre Arte Sacra.
Este facto permitiu a abertura do Museu ao público, em condições excepcionais, nomeadamente em relação a exposições temporárias, sobre diferentes temas.
De facto, e segundo os especialistas, o acervo deste espaço contém algumas das mais importantes peças sobre esta temática, ao nível da Arquidiocese de Évora. O trabalho efectuado pela equipa de Inventário da Arquidiocese de Évora permitiu a constatação deste facto e realçou a importância de Vila Viçosa no que concerne a esta matéria.

A ACTUALIDADE

Integrado num ambiente urbano secular, constituído por notáveis exemplares de arquitectura vernácula, militar, senhorial e religiosa, que constituem um precioso registo histórico da importância patrimonial de Vila Viçosa, é notório que a peça arquitectónica e o seu conteúdo devem ser valorizados e divulgados de modo efectivo. Este trabalho pretende também constituir um contributo válido para a compreensão da história local e para a caracterização integral do edifício em questão.
 A actual pretensão de divulgar a unidade museológica no interior do espaço que forma a Igreja de Santa Cruz, capaz de responder às solicitações da comunidade local e dos visitantes e que cumpra com eficácia todas as funções inerentes à pesquisa museal, surge na sequência da perda do culto religioso e no facto do aproveitamento do edifício para a integração, preservação e exposição de peças de Arte Sacra ocorrer desde 1955. 
Deste modo, a intenção de revitalizar este espaço tem em conta o seu passado remoto e recente, e tem como objectivo preservar e salvaguardar o património móvel e imóvel que compõe o conjunto. Desta forma, a acção de aí conceber um espaço museológico teve como directriz a valorização de uma colecção patrimonial de carácter sacro, possibilitando a conservação, a investigação, a divulgação e exposição de uma herança que constitui parte integrante da história calipolense, salvaguardada e mantida num ambiente reabilitado, recuperado e adaptado em pleno às suas novas funções.
 O objectivo consiste sobretudo na abertura do museu à comunidade, numa dinâmica sócio-cultural enriquecedora que não se limita somente às funções já referidas, na medida em que não deverá o museu restringir a sua acção à concepção estática de conservar, restaurar e expor o património tangível, porque também será importante valorizar a vertente intangível, que remete para a identidade, a personalidade e a história do próprio edifício e da comunidade religiosa que aí habitou até ao século XIX.
É graças à ação de alguns voluntários e da entidade tutelar, a Fábrica Paroquial de São Bartolomeu, que o Museu de Arte Sacra se encontra actualmente aberto ao público, possibilitando, deste modo, a preservação e a fruição de um importante legado ao nível da arte sacra.
Devemos salientar também que os Museus, independentemente da sua vocação ou tutela, surgem cada vez mais como pontes de diálogo entre a diversidade cultural das diferentes sociedades e regiões, como sustentáculos da memória e da consciência da sociedade e assumem-se como verdadeiros habitáculos vivos do património cultural.


 BIBLIOGRAFIA

ESPANCA, Padre Joaquim José da Rocha, Memórias de Vila Viçosa, 36 cads., Câmara Municipal de Vila Viçosa, Vila Viçosa, 1983 – 1992.
Idem, Compêndio de notícias de Villa Viçosa: província do Alentejo, Typ. De Francisco de Paula Oliveira Carvalho, Redondo, 1892 (HG 13830 V.)

ESPANCA, Túlio Inventário Artístico de Portugal – Distrito de Évora, Zona Sul, vol. I, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1978.


Sem comentários:

Enviar um comentário