Em Vila
Viçosa, este nome acaba por soar familiar e de certeza que muitos desconhecem o
verdadeiro motivo para que tal aconteça. É comum ouvir-se a seguinte expressão:
“És bruto como o Migas Frias”, ou “És bruto para as Migas Frias”, quando se
fazem referências a alguém que é quezilento ou brigão.
Não se
sabe ao certo quais foram as motivações para este episódio. Acto isolado?
Conspiração? Loucura?
A
história começa assim:
No ano de
1769, deu-se a segunda visita do Rei D. José I a Vila Viçosa, acompanhado por
toda a Família Real, Secretários de Estado e outros membros da Corte. Terá
chegado logo no início de Setembro e tencionava ficar no Paço Ducal durante
alguns meses.
No dia 3
de Dezembro, pelas onze e meia da manhã, o Rei seguiu com a Rainha Mariana
Vitória, com o Infante D. Pedro e muitos outros fidalgos para a Tapada Real,
desde o Paço, para cumprirem mais uma jornada de caça. O Rei montava um cavalo
branco chamado “Cordovês”.
Quando a
comitiva real se aproximou da Porta dos Nós (a porta da vila, hoje colocada na
cerca do Convento dos Agostinhos e que estava no eixo da via que faz a ligação
a Borba), já ali estava do lado esquerdo da parte de fora um forasteiro natural
do Fundão, que fora soldado de artilharia em Elvas, chamado João de Sousa, que
tinha por alcunha o “MIGAS FRIAS”. O rei D. José não o avistou, senão depois de
passar pela dita porta. Reparando na atitude hostil de João de Sousa, com uma
moca levantada para o atingir, o Rei virou o cavalo sobre a mão direita,
fazendo-o levantar sobre o agressor, conseguindo assim escapar a uma forte
pancada na cabeça e sendo somente atingido na mão e nos dedos.
Porém, o
veterano soldado não tremeu com a atitude corajosa do rei e lançou-lhe uma
segunda bordoada que atingiu o pescoço do cavalo. No meio da confusão e do
alarido, a comitiva real procurou acercar-se do agressor, mas este, com
obstinada fúria, acabou por maltratar muitos deles.
O Conde
do Prado, D. Lourenço José de Brotas de Lancastre e Noronha, terá sido um dos
que provaram a dureza dos golpes do bordão de João de Sousa.
Gritava o
Rei para os fidalgos, no meio da refrega:
- Não o
matem! Não o matem! É um louco!
O Padre
Espanca, que fez a descrição deste episódio, salientou que esta decisão do
monarca foi a mais prudente, pois se o “Migas Frias” fosse morto no local,
perdia-se o fio que poderia guiar os juízes até uma eventual grande conspiração
contra o Rei, como consequência do grande reboliço que lavrava por todo o país
devido às medidas pouco populares do Secretário de Estado do Reino
(Primeiro-Ministro), Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês do Pombal.
Muito a
custo, lá conseguiram os nobres atropelar com os cavalos o temerário “Migas
Frias”. Foi posteriormente agarrado pelo “chicote” da longa cabeleira que
tinha, segundo a moda em vigor. Logo outro lhe alcançou um braço e outros dois,
as pernas.
Assim, a
cavalo e em “procissão”, lá foram os nobres entregar o “Migas Frias” à
guarnição do Castelo, onde os soldados da guarda, à porta da Fortaleza
Artilheira, o recolheram numa casinha à mão direita do vestíbulo, que no século
XIX ainda era conhecida como a “Casinha do Conde do Pau”.
Depois,
tornaram os fidalgos para a Tapada, onde o Rei continuava a caçar, numa jornada
que durou até à noite, conforme era costume por aqueles dias…
O “Migas
Frias” acabou por dado como louco e foi condenado a prisão perpétua. Foi de
Vila Viçosa para Lisboa, onde por muitos anos esteve na prisão do Pátio dos
Bichos, sendo posteriormente transferido para a Torre de São Julião. Ainda
assim, teve a sorte de não ser morto, esquartejado, queimado e lançadas as suas
cinzas ao mar, conforme o Marquês do Pombal costumava fazer com os réus de
crimes semelhantes…
Não são
conhecidas as verdadeiras causas para esta agressão do “Migas Frias” ao Rei.
Houve quem dissesse que a atitude que fora tomada como indignação do povo
português à soberba e ao despotismo do Marquês do Pombal e ao aumento dos
impostos.
Segundo o
seu depoimento, o “Migas Frias” queria apenas uma mercê pelos serviços
prestados à Coroa e foi por esse motivo que se deslocou a Vila Viçosa, no
sentido de interpelar pessoalmente o Rei, algo que não tinha conseguido até
então.
O que
parece claro é que a atitude criminosa do “Migas Frias” não foi a consequência
de uma conspiração contra D. José e nem sequer se terá tratado de uma tentativa
de regicídio, segundo o Padre Espanca. Alguns autores, como Manuel Pinheiro
Chagas, destacam a possibilidade de se ter tratado de uma intriga contra o
Infante D. Pedro, irmão e genro de D. José (futuro D. Pedro III, marido da
Rainha D. Maria I).
Em Vila
Viçosa, este episódio foi recordado por muito tempo e ainda hoje se mantêm na
tradição oral. Zombava-se do crime do “Migas Frias”, afirmando-se que o Rei D.
José o havia condecorado com o título de CONDE DO PAU!
FONTES CONSULTADAS:
ESPANCA, Padre Joaquim José da
Rocha, Memórias de Vila Viçosa, 36 cads., Câmara Municipal de Vila
Viçosa, Vila Viçosa, 1983 – 1992.
Idem, Compêndio
de notícias de Villa Viçosa: província do Alentejo, Typ. De Francisco de
Paula Oliveira Carvalho, Redondo, 1892 (HG 13830 V.)
O Rei D. José I
Porta dos Nós ou Porta da Vila
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