Nos nossos dias, muitos desconhecem a
importância que Vila Viçosa teve durante determinados períodos da História de
Portugal.
É difícil imaginar como, no coração do
Alentejo, esta pequena localidade possa ter assumido um lugar de destaque, não
só a nível ibérico, mas também no que concerne ao contexto europeu.
De facto, em Vila Viçosa, durante o século
XVI, assistiu-se a uma forte ação cultural promovida pela Casa de Bragança. Este
é mais um aspeto singular e excecional que nos demonstra o prestígio e a
erudição da Casa Ducal. Face à Coroa, os Duques de Bragança eram os únicos
rivais, na riqueza, no prestígio e no poder. E o Paço de Vila Viçosa constituía
a materialização arquitetónica dessa influência política.
Durante este período, Vila Viçosa foi um
palco privilegiado onde acorreram diversas personalidades, que contribuíram
para que este fosse um lugar de inigualável prestígio e dinâmica cultural. A
Casa de Bragança era a única Casa que emulava a Coroa, em termos culturais.
O quinto Duque, D. Teodósio I é
amplamente conhecido pela sua elevada erudição e pelo seu interesse pelas
artes. Os anos formativos da sua vida coincidiram com a rápida ampliação da
visão europeia do mundo resultante das grandes navegações ultramarinas, e a sua
educação formal foi ministrada por conhecidos mestres humanistas.
Esta sólida preparação levou-o a adotar
os valores e gostos do Renascimento. A passagem de grandes humanistas pela corte
do Duque em Vila Viçosa é um exemplo categórico desse facto. Os conteúdos descritos
no inventário de D. Teodósio I evidenciam a opulência e o poder da mais
importante casa aristocrática do Reino.
Na descrição do inventário post-mortem do Duque, estão presentes
conteúdos tão variados como a armaria, cavalaria, cerâmica, exótica, escultura,
joias, medalhas, mobiliário, têxteis, moedas, música, prataria, vidros,
iluminação, ourivesaria e livros, num total de mais de 6000 itens.
Os livros ocupam o primeiro lugar, em
termos do número de exemplares, seguidos pelos têxteis.
A livraria do Duque D. Teodósio I (5º
Duque de Bragança – 1510?/1563), lugar partilhado de estudos e outros saberes
era, no seu tempo, uma das maiores da Europa, em comparação com outras
bibliotecas da época, numa dinâmica ibérica e europeia, sendo constituída por
cerca de 1600 volumes. Era impressionante e extraordinária, devido à sua
dimensão e especificidade.
Além do
Paço, que funcionava como uma verdadeira corte do Humanismo, o cultivo das
letras exercia-se também nos conventos aqui existentes. Eram também providos de
bibliotecas.
A
livraria da Casa de Bragança constituía um caso de
uma absoluta singularidade no caso português, que revela a especificidade da Casa de Bragança no
contexto da aristocracia da época. Era também um símbolo de ostentação, poder e
opulência.
Segundo a investigadora Prof.ª Doutora Ana
Isabel Buescu, (que foi responsável por esta temática no âmbito do projeto “De todas as Partes do Mundo – O Inventário
do 5º Duque de Bragança, D. Teodósio I”), tratava-se de uma livraria
multilingue (com obras em latim, grego, hebraico e português), muito atualizada[1].
O
estudo comparativo efetuado por esta especialista da Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa com outras bibliotecas régias
e aristocráticas deste período, permitiu compreender a importância da Livraria
do Paço Ducal de Vila Viçosa.
Trata-se de facto de uma grande livraria
europeia do século XVI, sem paralelo em Portugal.
A título comparativo, a livraria de D.
João I, Rei de Portugal (falecido em 1433), era composta por 20 livros; a
livraria de D. Duarte, Rei de Portugal (falecido em 1438), tinha cerca de 80
livros; a de Afonso V de Aragão (falecido em 1458), continha cerca de 1000; a
de Filipe III de Borgonha (falecido em 1467), tinha 859 livros; a livraria de
Matias Corvino, Rei da Hungria (falecido em 1490), tinha 2500 livros; a
livraria de Isabel, a Católica (falecida em 1504), era composta por entre 400 a
500 exemplares; Henrique VII de Inglaterra (falecido em 1509), tinha 170 livros;
o Rei D. Manuel I de Portugal (falecido em 1521), era proprietário de 107
livros; Francisco, Rei de França (falecido em 1547) tinha 1890 livros e Juan
Alonso de Gúzman, 6º Duque de Medina Sidónia (falecido em 1558), tinha 250
livros.
O Paço Ducal de Vila Viçosa, continha, sem
dúvida, a maior Biblioteca Portuguesa do século XVI, só ultrapassada pela
Biblioteca do humanista Aquiles Estaço, que se encontrava em Roma.
O que havia na livraria do Duque?
Esse espaço de silêncio e de sabedoria
continha vários mapas mundi em
pergaminho e constituía uma “biblioteca
universal”, que contemplava os principais ramos de saber da época:
Teologia, Leis e Cânones, Literatura religiosa em latim, Literatura profana em
romance, Arquitetura (com obras dos grandes arquitetos renascentistas), Poesia
latina, Música, Filosofia, Matemática, Astrologia, Astronomia, Medicina, Arte
Militar e de Guerra e Geografia e História.
Os nomes fundamentais de cada saber
estavam presentes nesta atualizadíssima Biblioteca, tanto no que concerne a
autores, quer no que diz respeito a editores.
A investigação efetuada no âmbito do
projeto De todas as partes do Mundo – O Património do 5º
Duque de Bragança, D. Teodósio I[2],
organizado pelo Centro de História de Além-Mar da
Universidade Nova de Lisboa e pela Fundação da Casa de Bragança, permitiu
constatar, no âmbito da livraria, a existência de
uma elevada percentagem de autores contemporâneos (século XVI), também com
dezenas de livros de Erasmo de Roterdão e publicações antiluteranas e antiprotestantes;
a edição em quantidade de autores clássicos, recentes, ou muitos recentes e a
atualização de obras a nível do humanismo e da ciência.
Destaca-se também a quantidade de obras
manuscritas e livros herdados de D. Jaime e D. Leonor de Mendoza. Verificam-se
de igual modo preocupações terapêuticas e de higiene, reveladas pelos livros de
Hipócrates e manuais de anatomia. A nível da matemática e da astronomia,
concluiu-se que só faziam parte do acervo livros eruditos, recentes e muito
sofisticados.
Todos os livros tinham uma avaliação
monetária, proporcionalmente inversa ao número de exemplares existentes, ou
seja, os livros eram muitos, mas o seu valor era pouco significativo, tendo em
conta os valores globais referidos no inventário, onde as joias e os têxteis
assumem uma maior importância, em termos de valor monetário.
Não se tratava da biblioteca de um amador,
na medida em que se verifica muito rigor nas escolhas e a interpretação desses
dados só poderia ser efetuada por especialistas, o que pressupõe a presença de
cientistas no quotidiano do Paço.
A existência de um observatório
astronómico e a criação dos Estudos Gerais (Universidade) no Convento dos
Agostinhos poderão ter sido elementos propiciadores da multiplicidade de livros
existentes no Paço Ducal de Vila Viçosa.
A autorização concedida por breve do Papa
Pio IV para este efeito é uma das razões apontadas para a diversidade e riqueza
desta livraria, projeto que não chegou a ser concluído, devido à morte do
Duque. Este desejo colocava a livraria do Duque num outro horizontal
intelectual mais abrangente, tendo em conta este projeto cultural e político.
A livraria estava inscrita numa dinâmica
ibérica e europeia no que respeita à aquisição e circulação de obras, o que
poderá significar que o Duque D. Teodósio I (à semelhança do seu antecessor D.
Jaime) teria vários agentes com ligações diretas a cidades como Sevilha,
Salamanca, Paris, Lyon, Antuérpia, Basileia, Roma, Veneza. Estes emissários
enviavam para Vila Viçosa informações detalhadas sobre tudo o que se passava no
contexto europeu, nomeadamente em relação aos livros.
Infelizmente, por diversas vicissitudes,
quase nada resta desta magnífica Livraria do Paço Ducal do século XVI. Trata-se
portanto, e segundo a opinião da Professora Doutora Ana Isabel Buescu, de uma “Biblioteca
Imaterial”, conhecida graças ao inventário do Duque.
Hoje foi possível, no âmbito de uma
conferência que decorreu no Museu-Biblioteca da Casa de Bragança, destinada ao
alunos da Licenciatura em História da FCSH/UNL, coordenada pela Prof.ª Doutora
Ana Isabel Buescu, conhecer um pouco mais sobre este tema.
O grande mistério e a pesquisa que terá
que ser desenvolvida no futuro prende-se com a localização dos livros.
Onde estão? Como desapareceram? Terão sido
destruídos com o Terramoto de 1755, depois da ida de Vila Viçosa para Lisboa em
1640? Estarão dispersos por alguma Bibliotecas do nosso país?
São os mistérios que estão por resolver…
Bibliografia
consultada:
BUESCU,
Ana Isabel, Livros em Castelhano na Livraria de D. Teodósio I (1510?-1563), Estudios
Humanísticos. Historia. Nº 12, 2013, pp. 105-126
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