O texto
que aqui apresentamos pretende aprofundar uma reflexão sobre a ocupação deste
território durante o período romano. É graças à presença romana que se inicia a
exploração do mármore, sendo hoje reconhecido que parte dessa extração foi
utilizada nas grandes construções efetuadas na antiga capital da Lusitânia,
Emérita Augusta (Mérida). E como seria o povoamento no concelho de Vila Viçosa?
Pequenos povoados ou villas (residências campestres da classes altas romanas)?
Em 1965,
o Diretor do Museu Monográfico de Coimbra, Dr. Bairrão Oleiro, desloca-se a
Vila Viçosa, com o objetivo de estudar os dois sarcófagos romanos descobertos
em São Marcos, na freguesia de Pardais. Os referidos monumentos funerários são
encontrados no âmbito da exploração de mármore (que nessa altura se encontrava
em pleno desenvolvimento), são oferecidos ao Museu-Biblioteca da Casa de
Bragança e colocados no Castelo, onde ainda hoje fazem parte do circuito
expositivo. O Sr. Gualdino Borrões, adjunto do Conservador do Museu-Biblioteca
da Casa de Bragança, Dr. João de Figueiredo, foi uma peça fulcral em todo este
processo.
Com base
em alguns testemunhos, tentando saber um pouco mais sobre este tema, o Dr.
Bairrão Oleiro procurou obter mais informações in loco, sobre a possível existência de mais vestígios da ocupação
romana na freguesia.
Existiam,
de facto, algumas referências em relação ao “mundo romano” em Pardais. Aliás, a própria denominação parece
provir da deturpação de “paredais”[1].
No século XIX, o cronista calipolense Padre Joaquim José da Rocha Espanca
relata a existência de bastantes e notáveis vestígios da presença romana. Em
1824, precisamente na Herdade da Fonte da Moura, foi encontrada uma campa
romana por um lavrador local[2].
Na
sequência dos relatos, o Dr. Bairrão Oleiro dirigiu-se a Pardais, tentando
localizar uma casa onde existiam outros fragmentos de mosaicos semelhantes aos
que se encontravam em Vila Viçosa, informação que conseguiu confirmar. Na
Courela da Fonte da Moura (no acesso á Fonte Soeiro), na referida freguesia, na
casa térrea do então proprietário Joaquim José Gracias, encontrava-se um degrau
corrido ao longo de toda a fachada, numa configuração única em Portugal. Toda a
casa estava pavimentada com fragmentos de mosaicos romanos que pertenciam ao
mesmo conjunto que se encontrava no Museu em Vila Viçosa. Outros fragmentos
foram incrustados na parte superior de um murete junto à entrada[3].
O Sr.
Joaquim José Gracias informou o Dr. Bairrão Oleiro que esses e muitos outros
materiais, incluindo moedas, haviam sido encontrados há anos nas imediações da
sua casa, também como consequência da exploração das pedreiras de mármore e que
bastantes coisas tinham sido levadas para Lisboa por um engenheiro
“estrangeiro” que orientava a exploração nessa época.
O Dr.
Bairrão Oleiro afirma que esta estação deverá ser a mesma que foi descrita pelo
Prof. Manuel Heleno, em 1937, em comunicação apresentada ao Instituto Português
de Arqueologia, História e Etnografia e considerada como uma “villa” romana (com uma sala pavimentada de mosaico e desenho
geométrico, canalização de chumbo, colunas de mármore e materiais de
construção, espalhados por uma área de cerca de um hectare)[4].
Hoje foi
dia de visitar a Fonte da Moura. Por entre as pedreiras de mármore e a
industrialização marcada na paisagem, pude constatar que algo permanece neste
território. As características muito relevantes na freguesia de Pardais eram a
fertilidade dos solos e a abundância de água, fatores que determinaram a
ocupação humana deste território, pelo menos desde o período romano e que continuam
presentes.
Falei com
o Sr. Joaquim Gracias, filho do proprietário que partilhou as informações com o
Dr. Bairrão Oleiro. Recordava-se perfeitamente da forma como a exploração das
pedreiras alterou substancialmente a paisagem e contribuiu para a degradação ou
perda dos vestígios do período romano.
Ainda
assim podem encontrar-se alguns desses vestígios, no local onde terá existido
uma villa romana, que teria algumas
semelhanças com a que existia na Torre do Cabedal, na freguesia de Ciladas/São
Romão, no limite noroeste do concelho de Vila Viçosa. Seriam estas “villae”
propriedades de famílias abastadas com ligações a Emerita Augusta (Mérida),
antiga capital da Lusitânia? Pode ser uma hipótese.
Uma outra
hipótese tem a ver com a possibilidade de ter existido no local um povoado romano,
tal como aconteceria noutras zonas do concelho, nomeadamente em Bencatel, como
estruturas de apoio para a exploração do mármore, durante esse período.
O
trabalho de terreno efetuado hoje permitiu identificar um número considerável
de fragmentos de mosaicos, tijolos, lateres e um marco em pedra. A suposta villa
ou povoado aqui existente teria uma dimensão considerável e várias estruturas
para distribuição e armazenamento de água.
Joaquim
Gracias referiu que o seu pai, no extremo da horta, terá encontrado aquilo que
seria parte de um tanque, nos anos 60. Recorda-se também do elevado número de
mosaicos encontrados na envolvente da Fonte da Moura. Talvez um levantamento
arqueológico permita saber mais sobre esse passado romano do concelho. Seria
conveniente que a Carta Arqueológica pudesse ver a luz do dia com alguma
brevidade, para se poder identificar e salvaguardar o que ainda for possível.
[1]
CARNEIRO, André. "Um primeiro olhar sobre o povoamento
romano no concelho de Vila Viçosa", in revista de cultura Callipole, n.º 21, Câmara Municipal de
Vila Viçosa, 2013, pp. 213-232.
[2]
Espanca, Pe. J. J. da Rocha (1983) Memórias
de Villa-Viçosa. (Cadernos Culturais de Vila Viçosa no
1 a 35), Vila Viçosa, Câmara Municipal de Vila Viçosa [1.ª ed. 1885].
[3] Parte destes mosaicos foram posteriormente
depositados no Museu-Biblioteca da Casa de Bragança, mais propriamente no
Castelo de Vila Viçosa, onde ainda hoje se encontram.
[4] Vide O Arqueólogo português, nº II, página
293.
Conjunto de fragmentos de mosaicos encontrados na Fonte da Moura
Courela da Fonte da Moura (Fonte Soeiro- freguesia de Pardais), onde terá existido uma villa ou um povoado romano
Fragmentos de tijolos romanos
Marco que foi posto a descoberto nos anos 60 do século XX
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