segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

O PASSADO ROMANO DA FREGUESIA DE PARDAIS

O texto que aqui apresentamos pretende aprofundar uma reflexão sobre a ocupação deste território durante o período romano. É graças à presença romana que se inicia a exploração do mármore, sendo hoje reconhecido que parte dessa extração foi utilizada nas grandes construções efetuadas na antiga capital da Lusitânia, Emérita Augusta (Mérida). E como seria o povoamento no concelho de Vila Viçosa? Pequenos povoados ou villas (residências campestres da classes altas romanas)?

Em 1965, o Diretor do Museu Monográfico de Coimbra, Dr. Bairrão Oleiro, desloca-se a Vila Viçosa, com o objetivo de estudar os dois sarcófagos romanos descobertos em São Marcos, na freguesia de Pardais. Os referidos monumentos funerários são encontrados no âmbito da exploração de mármore (que nessa altura se encontrava em pleno desenvolvimento), são oferecidos ao Museu-Biblioteca da Casa de Bragança e colocados no Castelo, onde ainda hoje fazem parte do circuito expositivo. O Sr. Gualdino Borrões, adjunto do Conservador do Museu-Biblioteca da Casa de Bragança, Dr. João de Figueiredo, foi uma peça fulcral em todo este processo.

Com base em alguns testemunhos, tentando saber um pouco mais sobre este tema, o Dr. Bairrão Oleiro procurou obter mais informações in loco, sobre a possível existência de mais vestígios da ocupação romana na freguesia.

Existiam, de facto, algumas referências em relação ao “mundo romano” em Pardais. Aliás, a própria denominação parece provir da deturpação de “paredais”[1]. No século XIX, o cronista calipolense Padre Joaquim José da Rocha Espanca relata a existência de bastantes e notáveis vestígios da presença romana. Em 1824, precisamente na Herdade da Fonte da Moura, foi encontrada uma campa romana por um lavrador local[2].
Na sequência dos relatos, o Dr. Bairrão Oleiro dirigiu-se a Pardais, tentando localizar uma casa onde existiam outros fragmentos de mosaicos semelhantes aos que se encontravam em Vila Viçosa, informação que conseguiu confirmar. Na Courela da Fonte da Moura (no acesso á Fonte Soeiro), na referida freguesia, na casa térrea do então proprietário Joaquim José Gracias, encontrava-se um degrau corrido ao longo de toda a fachada, numa configuração única em Portugal. Toda a casa estava pavimentada com fragmentos de mosaicos romanos que pertenciam ao mesmo conjunto que se encontrava no Museu em Vila Viçosa. Outros fragmentos foram incrustados na parte superior de um murete junto à entrada[3].

O Sr. Joaquim José Gracias informou o Dr. Bairrão Oleiro que esses e muitos outros materiais, incluindo moedas, haviam sido encontrados há anos nas imediações da sua casa, também como consequência da exploração das pedreiras de mármore e que bastantes coisas tinham sido levadas para Lisboa por um engenheiro “estrangeiro” que orientava a exploração nessa época.
O Dr. Bairrão Oleiro afirma que esta estação deverá ser a mesma que foi descrita pelo Prof. Manuel Heleno, em 1937, em comunicação apresentada ao Instituto Português de Arqueologia, História e Etnografia e considerada como uma “villa” romana (com uma sala pavimentada de mosaico e desenho geométrico, canalização de chumbo, colunas de mármore e materiais de construção, espalhados por uma área de cerca de um hectare)[4].

Hoje foi dia de visitar a Fonte da Moura. Por entre as pedreiras de mármore e a industrialização marcada na paisagem, pude constatar que algo permanece neste território. As características muito relevantes na freguesia de Pardais eram a fertilidade dos solos e a abundância de água, fatores que determinaram a ocupação humana deste território, pelo menos desde o período romano e que continuam presentes.
Falei com o Sr. Joaquim Gracias, filho do proprietário que partilhou as informações com o Dr. Bairrão Oleiro. Recordava-se perfeitamente da forma como a exploração das pedreiras alterou substancialmente a paisagem e contribuiu para a degradação ou perda dos vestígios do período romano.

Ainda assim podem encontrar-se alguns desses vestígios, no local onde terá existido uma villa romana, que teria algumas semelhanças com a que existia na Torre do Cabedal, na freguesia de Ciladas/São Romão, no limite noroeste do concelho de Vila Viçosa. Seriam estas “villae” propriedades de famílias abastadas com ligações a Emerita Augusta (Mérida), antiga capital da Lusitânia? Pode ser uma hipótese.
Uma outra hipótese tem a ver com a possibilidade de ter existido no local um povoado romano, tal como aconteceria noutras zonas do concelho, nomeadamente em Bencatel, como estruturas de apoio para a exploração do mármore, durante esse período.

O trabalho de terreno efetuado hoje permitiu identificar um número considerável de fragmentos de mosaicos, tijolos, lateres e um marco em pedra. A suposta villa ou povoado aqui existente teria uma dimensão considerável e várias estruturas para distribuição e armazenamento de água.
Joaquim Gracias referiu que o seu pai, no extremo da horta, terá encontrado aquilo que seria parte de um tanque, nos anos 60. Recorda-se também do elevado número de mosaicos encontrados na envolvente da Fonte da Moura. Talvez um levantamento arqueológico permita saber mais sobre esse passado romano do concelho. Seria conveniente que a Carta Arqueológica pudesse ver a luz do dia com alguma brevidade, para se poder identificar e salvaguardar o que ainda for possível.




[1] CARNEIRO, André. "Um primeiro olhar sobre o povoamento romano no concelho de Vila Viçosa", in revista de cultura Callipole, n.º 21, Câmara Municipal de Vila Viçosa, 2013, pp. 213-232.
[2] Espanca, Pe. J. J. da Rocha (1983) Memórias de Villa-Viçosa. (Cadernos Culturais de Vila Viçosa no 1 a 35), Vila Viçosa, Câmara Municipal de Vila Viçosa [1.ª ed. 1885].
[3] Parte destes mosaicos foram posteriormente depositados no Museu-Biblioteca da Casa de Bragança, mais propriamente no Castelo de Vila Viçosa, onde ainda hoje se encontram.
[4] Vide O Arqueólogo português, nº II, página 293.





                           Conjunto de fragmentos de mosaicos encontrados na Fonte da Moura




Courela da Fonte da Moura (Fonte Soeiro- freguesia de Pardais), onde terá existido uma villa ou um povoado romano





                                                      Fragmentos de tijolos romanos





                                  Marco que foi posto a descoberto nos anos 60 do século XX

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