terça-feira, 10 de novembro de 2020

HISTÓRIA DO PAÇO-QUINTA DE PEIXINHOS

 

Foi cabeça de um importante morgado[1] instituído pelo secretário da Duquesa D. Catarina de Bragança, Dr. Afonso de Lucena, em 1596.

A casa foi confiscada para a Coroa portuguesa depois de 1640, pelo Rei D. João IV (8º Duque de Bragança), porque a família Lucena se colocou do lado do Rei Espanhol Filipe IV, nas Guerras da Restauração em Portugal[2].

Antes dessa data, devido a problemas com D. Luísa de Gusmão, (esposa do oitavo Duque de Bragança, D. João – futuro rei de Portugal D. João IV), instalaram-se em Peixinhos, em 1633, os irmãos deste, D. Duarte e D. Alexandre, antes de partirem para uma longa peregrinação a Guadalupe, em Espanha. D. Alexandre regressou, falecendo em 1637 e D. Duarte passou ao serviço do Imperador da Alemanha Fernando III, participando na Guerra dos Trinta Anos e morrendo torturado no Castelo de Milão.

Em Peixinhos viveu alguns anos e morreu em 1676 o cônsul da Flandres em Portugal, Venant de La Masurem conhecido na terra como o estrangeiro de Peixinhos.

Neste tempo, o paço-quinta de Peixinhos era considerado sumptuoso pelos habitantes de Vila Viçosa e estava totalmente murado e nas suas terras havia um castanhal, coelheira, horta, pomar, vinhas, olival e terras de semeadura.

A restituição dos bens do morgadio à família Lucena foi feita pelo Rei D. João V, em 1720, acabando a propriedade por ser entregue a D. Bernardo António de Lucena.

Em 1729, quando a corte do Rei D. João V se deslocou ao Caia para a Cerimónia da Troca de Princesas (uma troca de casamentos entre uma princesa espanhola, D. Mariana Vitória, que casou com D. José, filho de D. João V e a sua filha, D. Bárbara de Bragança, casou com o D. Fernando, filho do rei espanhol), hospedou-se em Peixinhos o Cardeal D. Tomaz de Almeida, com todo o Cabido Patriarcal.

Oito anos depois, D. Bernardo de Lucena arrendou Peixinhos ao Conde de Riviére, Coronel de Dragões e a seu filho, D. Francisco de Riviére, capitão de cavalos

Na Quinta de Peixinhos viveu D. Joaquim Eugénio de Lucena Almeida Noronha, herdeiro de D. Bernardo, que manteve o solar e os seus anexos bem conservados, até que o último titular, D. Martinho de Lucena, em 1878, se viu alienado de todos os bens em hasta pública de execução por dívidas, em benefício de um negociante de Lisboa, Adolfo de Lima Mayer.

A propriedade, que está situada nas imediações da vila, foi adquirida em 1930 pelo conde de Monte Real, Artur Porto de Melo e Faro, que procedeu ao completo restauro do velho e quase perdido solar rústico do século XVII, incluindo a Ermida de Santo Ildefonso.

O edifício palaciego foi totalmente reerguido em 1936-37, obedecendo a um critério artístico discutível, que pretendeu obedecer nas linhas gerais aos alicerces subsistentes.

Em 1945, por morte deste titular, o recuperado imóvel passou para a sua filha e herdeira D. Maria da Luz de Melo e Faro, casada com D. Diogo de Fonseca Passanha, casal que o manteve até cerca de 1975, composto por um vasto recheio de antigas artes decorativas portuguesas dos séculos XVII -XIX, nomeadamente móveis barrocos e neoclássicos, porcelanas da China, Companhia das Índias e Cantão, secção de armaria branca e de fogo, disposta em recetáculos próprios, prataria, uma liteira seiscentista da Casa dos Faros e Lucena, uma boa coleção de estampas franceses, pinturas a óleo sobre tela, com naturezas mortas e retratos de elementos da família Lucena, e ainda um curioso núcleo de aguarelas do Rei D. Carlos, assim como arte religiosa[3].

Outro interesse patrimonial da Quinta de Peixinhos é a nora do século XVII que, através de aqueduto de alvenaria, transportava a água para a cozinha do edifício. A nora era movida por um possante boi, noutros tempos. Trata-se de uma construção vultuosa, erguida no antigo pomar[4] e lançada em planta quadrangular, rasgada internamente por cinco tramos de arcadas de volta plena, de grande dimensão, reforçadas na parte sul por botaréus inclinados, de grossa alvenaria e coroamento de pináculos piramidais.

No topo elevado a norte, no muro da quinta, dominando a panorâmica de Vila Viçosa, encontra-se a primitiva CRUZ DE PEIXINHOS, de mármore.

A sul do Paço, encontra-se a Ermida de Santo Ildefonso, que alcançou o final do século XIX num relativo estado de conservação, tendo sofrido um profanação nos primeiros anos do século XX.

O edifício religioso foi fundado no início do século XVII pelos donatários Dr. Afonso de Lucena e sua mulher D. Isabel de Almeida, tendo sido aberta ao culto após licença dada pelo Arcebispo de Évora D. Alexandre de Bragança a 21 de Abril de 1605, quando o prelado se encontrava no Paço de Vila Viçosa, com o seu irmão, o sétimo Duque de Bragança D. Teodósio II.

A Ermida obedece, em planta, ao modelo da Ermida de São João do Carrascal, com disposição em cruz grega. A fachada tem um portal de mármore trabalhado, com jambas, vergas duplas e frontão triangular, mantendo a linha original. O pavimento conserva o piso de mármore da época da fundação.

No seu interior encontravam-se as imagens de Santo António e da Virgem Maria, de madeira estofada e dourada, assim como um painel a óleo sobre tela do Calvário do século XVIII.

Destacava-se também um precioso busto em alabastro de D. José Maria da Fonseca e Évora, Bispo do Porto, Embaixador do Rei D. João V em Roma e grande mecenas da cultura sagrada, parente dos Lucenas e promotor da sua restituição ao reino.

No espaço central da rua ajardinada, que teve bancos de repouso, latadas e canteiros de buxo tosquiado, encontra-se, de proveniência desconhecida e colocada no local pelos Condes de Monte Real, uma curiosa fonte de mármore branco de estilo Renascença.

Em 2012, o Aldeamento de Peixinhos, uma unidade turística construída de raiz nas proximidades do Paço e inaugurada em 2004, fechou as portas.

Trata-se de um equipamento que inclui 24 apartamentos T1 e dois T3, dispostos em dois blocos. A unidade turística integrava ainda piscinas, envolvidas por um vasto relvado, campo de ténis e um restaurante. O complexo incluía também uma casa de turismo de habitação (o Paço de Peixinhos) com oito quartos.

 

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

 

ESPANCA, Joaquim José da Rocha, Memórias de Vila Viçosa, IV, pp 62, 429-30 

ESPANCA, Túlio, Inventário Artístico de Portugal, Zona Sul, vol. I, Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1978, pp 663-666

 

  

Vila Viçosa, 8 de Novembro de 2020

 

Tiago Salgueiro



[1]Vínculo inalienável e indivisível que se transmitia numa família, de primogénito em primogénito.

[2] Francisco de Lucena foi secretário do Conselho de Portugal na corte filipina e foi vítima do célebre processo de 1643, que o levou ao patíbulo na Ribeira de Lisboa.

[3] Todas estas coleções foram vendidas quando D. José de Passanha, filho dos últimos proprietários, entrou em insolvência

[4] ESPANCA, Túlio, Paço Quinta de Peixinhos e Ermida de Santo Ildefonso, in A Cidade de Évora, nº 57, pp.273-278.


                                                           Entrada principal do Paço

                                                                       Aqueduto


                                                            Aldeamento de Peixinhos

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