Sempre
ouvi os mais antigos falarem sobre a existência de túneis secretos em Vila
Viçosa. Havia várias versões. Uns diziam que os referidos túneis iam desde o
Castelo até à Ermida de Santo Eustáquio, na Tapada Real.
Outros
afirmavam que essas passagens subterrâneas eram escapatórias existentes entre o
Convento das Chagas e o Paço Ducal, eventualmente com ligações a outros
edifícios conventuais de Vila Viçosa. Dizia-se inclusivamente que tinham sido
encontradas ossadas e velas, perdidas por entre as escuras galerias subterrâneas.
No âmbito
de algumas investigações que tenho efetuado, constatei a existência de um
número significativo de túneis, no Convento das Chagas, no Paço Ducal e no
Convento dos Capuchos, mas que tinham um caráter utilitário, como aquedutos
subterrâneos para a condução de água.
Muitos deles não estavam descritos ou
identificados, o que levou o imaginário popular, ao longo de séculos, a
atribuir-lhe outra função que não a original.
O Castelo
de Vila Viçosa sempre foi o palco privilegiado para histórias assombrosas e
narrativas de mistério, em que se destaca a célebre Bruxa que, no século XIX e
por amor ao seu filho contrabandista, arriscava o seu bom nome por entre as
muralhas, com a candeia de azeite, fazendo sinais para que este regressasse a
casa, são e salvo.
Dizia-se que na Porta de Elvas ou do Postigo, nas traseiras do cemitério, tinha sido entaipada uma outra mulher acusada de heresia pela Inquisição e por isso a porta tinha sido fechada...
Todas estas histórias motivaram alguma desconfiança dos Calipolenses em relação ao Castelo, cenário de muitas histórias inauditas...
Junto à
Porta do Sol, no castelo medieval, encontravam-se, no século XIX, as ruínas dos
fornos do pão e um armazém de carros de artilharia. Neste local, em baixo, ao
poente, ficava a poterna, chamada vulgarmente como CASINHA DAS FEITICEIRAS, a qual foi aberta para comunicação
clandestina ou subterrânea com o pátio da fortaleza, mas que aparentemente
nunca terá sido concluída em toda a sua extensão[1].
Teria
como função perfurar o âmago das terras para alcançar o interior do recinto
fortificado. Seria utilizada em caso de emergência, para que a guarnição da
praça ou parte dela pudesse dali evadir-se durante a noite, em relativa segurança.
Poterna[2]
significa “porta do ladrão” ou porta falsa e na arquitetura militar representa
uma porta secundária dissimulada nos castelos ou fortalezas, com acesso para o
exterior do recinto muralhado. Durante um cerco, podia ser utilizada como ponto
de fuga.
No século
XIX, a CASINHA DAS FEITICEIRAS ainda estava anexa ao baluarte seiscentista, segundo o Padre Joaquim Espanca. Em 1978, já não existia qualquer
vestígio desta antiga entrada para a passagem subterrânea, na descrição do Castelo feita pelo notável investigador Túlio Espanca.
Deste
modo, podemos concluir que não são infundadas as lendas relativas às galerias secretas em Vila
Viçosa. Elas existem e existiram bastantes. Algumas delas, com carácter funcional
para abastecimento de água e outras como pontos de fuga a partir do Castelo.
No trabalho de campo feito hoje, não encontrei qualquer reminiscência da Casinha das Feiticeiras...
[1] ESPANCA, Padre Joaquim José da Rocha, Memórias
de Vila Viçosa, Caderno 26, Câmara Municipal de Vila Viçosa, Vila Viçosa,
p. 93
[2] O nome deriva do latim posterula, diminutivo de posterus (posterior,
atrás), isto é, situado atrás, em lugar escondido.
Porta do Sol, na primeira metade do século XX. Ao lado do torreão à esquerda, são ainda visíveis as ruínas dos armazéns dos carros de artilharia e os fornos do pão, que terão sido demolidos em 1939/40, por acção da DGEMN. Ficavam no local onde se encontra atualmente uma escadaria exterior à Cerca Velha. A Porta do Sol estava parcialmente entaipada e parte da muralha medieval encontrava-se em ruínas, como consequência dos ataques das tropas espanholas do Marquês de Caracena, em 1665
A Casinha das Feiticeiras estaria localizada num dos baluartes seiscentistas da imagens situados debaixo da Porta do Sol e faria o acesso subterrâneo à praça de armas da Fortaleza quinhentista.
Porta do Sol, nos nossos dias
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