É comum
falar-se hoje na crise de valores e nos males que assolam a sociedade. Todos os
dias somos confrontados com crimes hediondos, onde fica claro que muitas vezes
os perigos e as ameaças surgem dentro do próprio lar…
No
entanto, o passado é pródigo em relatos macabros, de acontecimentos em que a
realidade supera qualquer ficção. Infelizmente, esta é uma dessas histórias…
No serão
de 27 para 28 de Dezembro de 1852, no Dia dos Santos Inocentes (estranha
coincidência), descobriu-se um crime em Vila Viçosa que causou grande
consternação nos calipolenses. Uma velha chamada Maria, viúva de Manuel António
e vulgarmente conhecida por Maria do Manuel António, era encarregada pela parteira
Maria José Troca, responsável pela roda dos expostos, de tornar a expô-los em
Borba e no Alandroal.
Isto
acontecia porque as referidas vilas limítrofes mandavam para Vila Viçosa muitos
enjeitados, o que aumentava as despesas do concelho, segundo as indicações do
Vereador Fiscal da Câmara[1].
A Maria do Manuel António era pois a responsável por levar os expostos de novo
para as localidades de origem.
Com este
episódio trágico, o que era secreto veio a tornar-se público e até escandaloso.
A
parteira Maria José Troca recebia da Câmara 480 réis para gratificar cada
reexposição, mas dava apenas 120 réis à dita Maria do Manuel António, ficando
com o resto. Ora a velha, que era useira e vezeira na bebedice, farta de andar
em jornadas noturnas entre Vila Viçosa, Borba e o Alandroal por tão baixo
preço, começou a abandonar os enjeitados fora das rodas e pelos campos, onde
alguns foram encontrados vivos e outros, infelizmente, já mortos…
Por fim,
tinha a velha em sua casa um enjeitado para reexpor na noite de 27 para 28 de
Dezembro. Porém, como estava embriagada, meteu a pobre criança debaixo da
esteira onde dormia, para não ouvir o choro. Os vapores do vinho inspiraram-lhe
instintos desumanos contra o pobre inocente que chorava com toda a força, tanto
por causa do frio da velha casa do Castelo, como pelo sufocamento provocado
pela velha bêbada recostada na esteira.
O choro
do bebé foi ouvido por alguns rapazes que passavam pela Rua de Estremoz, que rapidamente
deram o alerta a outros moradores do Castelo. A Maria do Manuel António estava
a matar uma criança e os vizinhos, movidos de compaixão pelo inocente, não
demoraram em ir bater-lhe à porta para confirmarem a denúncia. Assim foi.
Bateram com força na porta e a velha resolveu acudir ao chamamento. Quando
entraram, já a criança havia expirado…
Levado o
caso ao Administrador do Concelho, foi a viúva metida na cadeia, com a
população calipolense revoltada e em grande alvoroço. Para além do corpo de
delito feito ao cadáver do enjeitado referido, foram feitas escavações no
quintal da casa do Castelo, onde foram encontradas mais ossadas de crianças…
Na
primavera seguinte veio de Estremoz o Juiz de Direito da comarca sentenciar a
ocorrência e por Maria do Manuel António já ter 70 anos, foi condenada a prisão
perpétua. Faleceu de morte natural, passados três anos de cativeiro…
[1]
Segundo as Ordenações
Manuelinas de 1521 e confirmadas
pelas Ordenações Filipinas de 1603, as Câmaras
deveriam arcar com o custo de criação do enjeitado nascido sob a sua
jurisdição, caso esta não tivesse a Casa dos Expostos e nem a Roda dos Expostos. A
Câmara teria essa obrigação até que o exposto completasse sete anos de idade.
FONTE BIBLIOGRÁFICA
ESPANCA,
Padre Joaquim José da Rocha, Memórias de Vila Viçosa, 36 cads., Câmara
Municipal de Vila Viçosa, Vila Viçosa, 1983 – 1992.
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