Em cada
recanto de Vila Viçosa, há histórias por contar…
Algumas
delas românticas e deliciosas, outras tristes e macabras.
Esta é
uma das últimas…
No Largo Mouzinho
de Albuquerque encontra-se uma lápide em mármore com uma inscrição, que levanta
a curiosidade de muitos dos que ali passam.
No dia 16
de Setembro de 1852, foi assassinada em Vila Viçosa Luísa Joaquina da
Conceição, conhecida como Luísa Mamede, viúva, que morava numa casa do antigo Rossio,
onde foi colocada a lápide que ainda hoje ali se encontra. Luísa Mamede foi
morta pela sua criada, Maria da Assunção. Esta sabia ler e escrever
corretamente e prestava-se a escrever as cartas que as suas amigas enviavam aos
namorados.
Porém, um
dia, Luísa Mamede encontrou umas cartas dirigidas a uma criada de Serafim José
da Mata, seu cunhado e tio de Maria da Assunção. Chocada com a descoberta,
Luísa pôs as cartas na algibeira e disse que as iria mostrar a Serafim. A criada ficou assustada!
Passaram
as horas e ao meio-dia, Maria da Assunção colocou o almoço na mesa para Luísa
poder comer. Sentada a patroa, Maria da Assunção suplicou-lhe que entregasse as
cartas. Ao não atender o seu pedido, a criada tentou extrair-lhe à força as
cartas da algibeira. Luísa resistiu. Maria da Assunção, exaltada, pegou no
canudo de ferro da chaminé e deu-lhe com ele na cabeça. Então a patroa reagiu
defendendo-se com o garfo de ferro com que tinha principiado o almoço e a
criada, lançando a mão à faca da mesa, cravou-lha no pescoço, cortando-lhe a
artéria jugular do lado esquerdo.
Instantes
depois, caia Luísa no pavimento da cozinha, banhada no seu próprio sangue…
Maria da
Assunção ficou atrapalhada, sem saber como havia de encobrir o crime horrendo
que cometera. No meio dos seus próprios remorsos, ocorreu-lhe chamar um
familiar que morava defronte da casa, nas Aldeias. Vindo este, contou-lhe que
fora colher uvas à parreira do quintal para a sobremesa do almoço e que entrara
alguém que assassinara a patroa. Porém, a porta da rua estava fechada e foi
preciso que ela própria a abrisse para o familiar poder entrar.
Depois,
alguns dos que entraram a ver o sinistro repararam que Maria da Assunção tinha
pingos de sangue no pescoço e logo murmuraram que fora ela a autora do crime.
Ainda nessa noite, a criada foi dormir à cadeia e no dia seguinte, aos
interrogatórios, vendo-se apanhada em mentiras, confessou o crime.
Tinha por
esses dias concluído a formatura em Direito o calipolense Francisco Augusto
Nunes Pousão (pai do Pintor Henrique Pousão) e quis estrear-se na advocacia
tomando à sua conta a defesa da ré. Fez o que foi possível para atenuar-lhe a
pena. Foi brilhante no seu discurso na audiência, onde estava presente o Padre
Joaquim Espanca (de cujos documentos retirámos esta história).
Porém, o
crime, apesar de não sido premeditado, foi de tal gravidade que não pôde o Juiz,
com o veredicto dos jurados, deixar de condená-la. A primeira sentença foi de
pena de morte. Apelando o defensor para a Relação de Lisboa, foi-lhe atribuída
a pena de degredo perpétuo para as costas de África, onde viveu até quase ao
final do século XIX.
Uma
curiosidade desta história tem a ver com o facto de que, ao abrir-se o
testamento de Luísa Mamede, se constatou que esta legava à criada assassina uma
prédio de casas “rasteiras” na Rua dos Frades (antiga artéria situada junto do
Convento da Esperança). No entanto, esse legado ficou sem efeito porque as leis
civis já impunham nesta data a pena de deserdação a inimigos ingratos e cruéis.
FONTE
ESPANCA, Padre Joaquim José da
Rocha, Memórias de Vila Viçosa, 36 cads., Câmara Municipal de Vila
Viçosa, Vila Viçosa, 1983 – 1992.
Muito interessante. Realmente, as «estórias» que se escondem nos recantos por onde tantas vezes passamos sem os olhar devidamente. Muito bom, grato pela tua partilha, Tiago, um enorme abraço ;-)
ResponderEliminarUma correcção anatómica...não existe artéria jugular! No pescoço ou artéria carótida ou veia jugular 😜
ResponderEliminarObrigado, Inês! Esta foi a descrição do Padre Espanca, no século XIX. Penso que não tinha conhecimentos de anatomia! Muito obrigado!
ResponderEliminarDe notar o apontamento no registo de óbito, onde se lê "assassinada pela criada Mª da Assunção" como se vê na imagem: https://pasteboard.co/ub1YYabLUWOt.jpg
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