quarta-feira, 19 de setembro de 2018

AS HISTÓRIAS SINISTRAS DE VILA VIÇOSA


Em cada recanto de Vila Viçosa, há histórias por contar…
Algumas delas românticas e deliciosas, outras tristes e macabras.
Esta é uma das últimas…

No Largo Mouzinho de Albuquerque encontra-se uma lápide em mármore com uma inscrição, que levanta a curiosidade de muitos dos que ali passam.

No dia 16 de Setembro de 1852, foi assassinada em Vila Viçosa Luísa Joaquina da Conceição, conhecida como Luísa Mamede, viúva, que morava numa casa do antigo Rossio, onde foi colocada a lápide que ainda hoje ali se encontra. Luísa Mamede foi morta pela sua criada, Maria da Assunção. Esta sabia ler e escrever corretamente e prestava-se a escrever as cartas que as suas amigas enviavam aos namorados.

Porém, um dia, Luísa Mamede encontrou umas cartas dirigidas a uma criada de Serafim José da Mata, seu cunhado e tio de Maria da Assunção. Chocada com a descoberta, Luísa pôs as cartas na algibeira e disse que as iria mostrar a Serafim. A criada ficou assustada!
Passaram as horas e ao meio-dia, Maria da Assunção colocou o almoço na mesa para Luísa poder comer. Sentada a patroa, Maria da Assunção suplicou-lhe que entregasse as cartas. Ao não atender o seu pedido, a criada tentou extrair-lhe à força as cartas da algibeira. Luísa resistiu. Maria da Assunção, exaltada, pegou no canudo de ferro da chaminé e deu-lhe com ele na cabeça. Então a patroa reagiu defendendo-se com o garfo de ferro com que tinha principiado o almoço e a criada, lançando a mão à faca da mesa, cravou-lha no pescoço, cortando-lhe a artéria jugular do lado esquerdo.

Instantes depois, caia Luísa no pavimento da cozinha, banhada no seu próprio sangue…

Maria da Assunção ficou atrapalhada, sem saber como havia de encobrir o crime horrendo que cometera. No meio dos seus próprios remorsos, ocorreu-lhe chamar um familiar que morava defronte da casa, nas Aldeias. Vindo este, contou-lhe que fora colher uvas à parreira do quintal para a sobremesa do almoço e que entrara alguém que assassinara a patroa. Porém, a porta da rua estava fechada e foi preciso que ela própria a abrisse para o familiar poder entrar.

Depois, alguns dos que entraram a ver o sinistro repararam que Maria da Assunção tinha pingos de sangue no pescoço e logo murmuraram que fora ela a autora do crime. Ainda nessa noite, a criada foi dormir à cadeia e no dia seguinte, aos interrogatórios, vendo-se apanhada em mentiras, confessou o crime.
Tinha por esses dias concluído a formatura em Direito o calipolense Francisco Augusto Nunes Pousão (pai do Pintor Henrique Pousão) e quis estrear-se na advocacia tomando à sua conta a defesa da ré. Fez o que foi possível para atenuar-lhe a pena. Foi brilhante no seu discurso na audiência, onde estava presente o Padre Joaquim Espanca (de cujos documentos retirámos esta história).

Porém, o crime, apesar de não sido premeditado, foi de tal gravidade que não pôde o Juiz, com o veredicto dos jurados, deixar de condená-la. A primeira sentença foi de pena de morte. Apelando o defensor para a Relação de Lisboa, foi-lhe atribuída a pena de degredo perpétuo para as costas de África, onde viveu até quase ao final do século XIX.
Uma curiosidade desta história tem a ver com o facto de que, ao abrir-se o testamento de Luísa Mamede, se constatou que esta legava à criada assassina uma prédio de casas “rasteiras” na Rua dos Frades (antiga artéria situada junto do Convento da Esperança). No entanto, esse legado ficou sem efeito porque as leis civis já impunham nesta data a pena de deserdação a inimigos ingratos e cruéis.

FONTE
ESPANCA, Padre Joaquim José da Rocha, Memórias de Vila Viçosa, 36 cads., Câmara Municipal de Vila Viçosa, Vila Viçosa, 1983 – 1992.





4 comentários:

  1. Muito interessante. Realmente, as «estórias» que se escondem nos recantos por onde tantas vezes passamos sem os olhar devidamente. Muito bom, grato pela tua partilha, Tiago, um enorme abraço ;-)

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  2. Uma correcção anatómica...não existe artéria jugular! No pescoço ou artéria carótida ou veia jugular 😜

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  3. Obrigado, Inês! Esta foi a descrição do Padre Espanca, no século XIX. Penso que não tinha conhecimentos de anatomia! Muito obrigado!

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  4. De notar o apontamento no registo de óbito, onde se lê "assassinada pela criada Mª da Assunção" como se vê na imagem: https://pasteboard.co/ub1YYabLUWOt.jpg

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