António
José Serrador Trincheira nasceu em Borba no dia 6 de Setembro de 1935.
Apesar de
ter nascido em Borba, sentiu-se desde sempre calipolense, como gostava de
frisar. Era filho de Eulálio Trincheira e de D. Rosália. O seu pai era natural
de Montijo (Extremadura espanhola) e a sua mãe, de Borba.
Deste
matrimónio nasceram nove filhos. Aos dois anos de idade de António José, a
família muda-se para Vila Viçosa. O pai resolvera trocar a vida no campo por um
trabalho nas obras da estrada que iria fazer a ligação de Alcácer do Sal ao
Algarve, onde foi capataz dessa longa e morosa empreitada.
Na sua
ausência, foi a mãe que tomou conta da vacaria que tinham montado em Vila
Viçosa. Todos os irmãos se dedicavam ao trabalho árduo, para a ajudar a
família, “de sol a sol”. Aos nove anos, abandonou a escola para se entregar
exclusivamente ao pastoreio. Levava as vacas para a Quinta das Quatro Cruzes.
Enquanto o gado ficava a pastar, António José entretinha-se a brincar com o seu
cão, de nome “Não-se-dá”.
Foi na
Quinta das Quatro Cruzes que ensaiou os seus primeiros passos como toureiro.
Para além disso, era ele o responsável pela venda do leite nas ruas de Vila
Viçosa. Teve uma infância dura e muito exigente. Contudo, o sonho de ser
matador de toiros sempre esteve presente, desde tenra idade.
Com
quinze anos, depois da sua primeira paixão da adolescência, Filomena de seu
nome, lhe ter dito que só namoraria com um toureiro, António José começa a
treinar afincadamente no Largo do Carrascal, juntamente com outros jovens da
sua idade. No entanto, aspirava a algo mais. Não era suficiente o treino com a
“tourinha”. Sentia-se capaz de enfrentar um touro na arena. Movido por esta
vontade e sabendo que na Tapada Real de Vila Viçosa pastava o gado bravo do
ganadeiro Cláudio Moura, saltou o muro do recinto e lá foi enfrentar o gado,
que fugiu assustado.
No
entanto, a Guarda Republicana estava por perto e acabou por ser preso. Foi o seu
pai que o foi libertar à prisão. E a sua vida regressou à normalidade, entre o
campo, o gado e a venda de leite. Nos tempos livres, dedicava-se aos treinos no
Largo do Carrascal.
A sua
grande oportunidade surgiu em Monforte, na Quinta dos Francos, propriedade do
ganadeiro Cláudio Moura, graças ao apoio do Dr. Bulhão, que o levou para o
local. Mas a sua maior referência, neste período, foi o Sr. António Pombeiro,
por quem nutria uma forte admiração.
Em
Estremoz, numa “vacada” fez a sua
primeira aparição pública e viveu a sua primeira tarde de glória. No regresso a
Vila Viçosa, a reprimenda do padrinho António Pombeiro não se fez esperar. No
entanto, depois do trabalho no campo e da venda do leite, começou a ter as
primeiras lições na arte de tourear, com o seu mentor. Chegava ao final de cada
dia cansado, mas feliz.
Pouco
tempo depois, em 1952, abre a Escola de Toureio Arena, pelas mãos de Ernesto
Costa, Augusto Gomes, Júlio Procópio e Sebastião Saraiva. Era a grande
oportunidade para José Trincheira.
Com o
beneplácito do pai e com o apoio de António Pombeiro e da população de Vila
Viçosa (que através duma subscrição pública facultou mensalmente o dinheiro
necessário), parte para Lisboa, onde fica alojado na casa duma tia paterna, de
modo a poder frequentar as aulas de toureio. Na capital a exigência
mantinha-se. Para se manter em forma, frequentava o ginásio, tal como fazia
antes no Seminário de Vila Viçosa.
Ernesto
Costa, que viria a ser seu apoderado e Augusto Gomes, responsáveis pela Escola
Arena, escolheram o nome artístico para o novo artista: José Trincheira, pelo
facto do apelido estar também relacionado com a “Festa Brava”.
Inicialmente,
na primeira tenta de António Durão, a lide não lhe correu de feição, o que
levou os mestres e os colegas a desconfiarem das suas capacidades. Mas
Trincheira não desistiu do seu sonho. Continuo a trabalhar arduamente, em busca
do seu objetivo.
Na
segunda oportunidade, numa ida dos alunos da Escola Arena a Coruche, para uma
“tenta” do ganadeiro António Teixeira, a performance foi muito melhor. O
jornalista Pepe Luís, presente no evento, foi o primeiro a reconhecer o
potencial de Trincheira. Na terceira aparição pública, num tradicional espetáculo
de Carnaval no Campo Pequeno, vive o seu primeiro momento de glória na capital,
premiado com duas voltas ao redondel.
A
apresentação de José Trincheira como aspirante de novilheiro surge no ano de
1955, na Praça de Toiros de Santa Eulália, com toiros do Eng.º Sommer de
Andrade. A praça estava esgotada, pois o povo de Vila Viçosa tinha-se deslocado
em massa para apoiar Trincheira. Foi um grande triunfo, com o toureiro a sair
em ombros, depois de seis voltas ao “ruedo”.
Posteriormente,
dá-se a sua aparição oficial em Lisboa, na Praça de Algés, onde obtém novo
triunfo. Forma parelha com Amadeu dos Anjos e os triunfos sucedem-se. A crítica
apelida-os de “Príncipes da Tauromaquia”. A ascensão de Trincheira no mundo da
Tauromaquia é meteórica. Ganha o apodo de “Leão do Alentejo”.
Em
Olivença, o primeiro triunfo em Espanha, em Setembro de 1956. Seguem-se
brilhantes atuações em Vila Franca, Cartaxo, Lisboa e finalmente, Sevilha, já
em 1957.
Ai surge
o primeiro romance sério, com Maria del Carmen Ostos. Ao mesmo tempo, seguem-se
atuações em várias novilhadas em praças de segunda linha. Os treinos continuam
a ser exigentes e duros. Mas a recompensa chega, com os contratos para as
Feiras de Sevilha e de Jerez de la Frontera.
Depois do
triunfo na Real Maestranza de Sevilha, a 23 de Maio de 1958, é contratado para
sessenta e três novilhadas nesse ano. A carreira triunfal como novilheiro
prosseguia, com passagem por importantes praças espanholas, com destaque para
Barcelona. E em Portugal o seu nome era sinónimo de praça cheia.
E eis que
chega o dia da sua alternativa como matador de toiros, no dia 28 de Setembro de
1958, na Praça de Toiros de Cáceres. César Giron foi o seu padrinho e Manolo
Segura a testemunha, para toiros de Pablo Romero. O triunfo foi absoluto, com a
saída da praça em ombros.
Seguem-se
mais sete corridas até ao final da temporada em Sevilha, Barcelona, Palma de
Maiorca, Cádis, Zaragoza, Valência e Badajoz. Terminada a temporada, regressa a
Portugal, onde conhece a cançonetista Maria José Valério, com quem inicia o
namoro.
No ano
seguinte, volta a Espanha e é contratado para tourear no México. No regresso
deste país, sofre uma cornada em la Línea de La Concepción (Cádiz) Nesta
temporada, cumpre 48 corridas em Portugal, Espanha e México, com mais triunfos
apoteóticos.
No ano de
1961, casa com Maria José Valério. Um disco desta artista, um pasodoble intitulado “Olé Trincheira” assume-se como um êxito
sem precedentes no mundo da rádio e do disco. Este acontecimento musical acaba
por precipitar o casamento. No Mosteiro dos Jerónimos, dá-se o casamento do
ano. O padrinho da noiva foi Diamantino Vizeu e o padrinho do noivo Ernesto
Costa, o apoderado de Trincheira em Portugal.
No
entanto, este matrimónio não correu bem. Conheceu entretanto Anabela da Cruz
Boto, por quem se apaixona. Depois de alguns imprevistos, parte para se fixar
em Angola, onde já tinha toureado. Por esta altura pensou em abandonar a vida
de toureiro, o que se veio a concretizar.
Fixado em
Luanda, José Trincheira começa a trabalhar como técnico de aviões no Consórcio
Técnico de Aeronáutica, tendo a família passado por necessidades, devido ao
parco salário que ganhava. De vez em quando organizava espetáculos taurinos no
sul de Angola, para matar saudades desses tempos já distantes.
Da união
com Anabela nasce José e mais tarde uma menina, que morreu meses depois. Com a
Revolução dos Cravos e o processo de descolonização, regressa a Portugal, com a
ideia de rumar ao Brasil.
Contra a
vontade de Anabela, este regresso a Portugal foi também um regresso ao mundo dos toiros. A sua reaparição dá-se no dia 18 de Abril de 1976, no Campo Pequeno.
O regresso fora um triunfo!
Seguiu-se
uma apresentação em Vila Viçosa no dia 29 de Maio. Fazia três anos que falecera
a sua Mãe. Novo triunfo. Tourear em Vila Viçosa tinha para Trincheira um
sentimento especial. Seguem-se corridas em Matosinhos, Torres Vedras, Espinho,
Póvoa, Campo Pequeno, Festas dos Capuchos, de novo em Vila Viçosa e Setúbal,
onde atuou lesionado, devido a uma cornada que sofrera num treino[1].
Referência
incontornável do mundo da tauromaquia, José Trincheira foi homenageado pela
Câmara Municipal de Vila Viçosa e fez parte, em 2012, da Comissão de Honra de
homenagem ao cavaleiro calipolense José Luís Cochicho.
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