Numa
altura em que a violência doméstica parece atingir dimensões inexplicáveis nas
sociedades contemporâneas, vale a pena refletir sobre esta triste história, que
perdurou na memória de Vila Viçosa durante muito tempo.
I
Vamos
narrar um facto, com a ajuda dos escritos do Padre Espanca, que horrorizou os
habitantes de Vila Viçosa nos anos de 1781 e 1782 e que permaneceu durante
muitas décadas na tradição oral dos Calipolenses.
Quem saí
de Vila Viçosa, pela estrada de Bencatel, subindo pela encosta de uma pequena
serra, chega a uma zona antigamente chamada “Portela de Évora” e que a partir do século XIX passou a designar-se
exclusivamente como “Portela”.
Nesses
anos, pela estrada, ao chegar à primeira curva, estava um pedestal de alvenaria
semelhante aos cipos de mármore que os Romanos erigiam ao lado das vias
públicas, para indicarem se ali jaziam as cinzas de algum finado ilustre ou
favorecido pela fortuna.
Chamavam-lhe
a “Cruz da Portela”. Em 1892, a cruz
já ali não se encontrava, mas tão somente o pedestal quadrado onde estava
erigida e na parte inferior, rente ao chão, onde estava gravada a lembrança do
ano deste terrível acontecimento -1782-[1].
Este
triste monumento fora ali colocado para reclamar as orações por duas vítimas
inocentes, sacrificadas por um monstro com figura de homem. Esse homem, de
figura agreste, com testa muito pequena, cabelo basto na cabeça avolumada e
sobrancelhas pegadas e muito densas, abafadas pelas guedelhas de hirsuta
marrafa, de olhar sombrio e desconfiado, é o macabro protagonista desta
história.
O dito
homem, depois de ter fruído por algum tempo das carícias de uma terna esposa e
de um filhinho de oito meses, enjoou-se das ternuras daquele estado invejável,
quando existe o encanto de um amor recíproco…
Os
trabalhos para sustentar aquela família depressa lhe criaram o arrependimento
por ter assumido o casamento.
Mas
quantos em redor de si, nesta época, tinham 6, 8 e 10 filhos e não desanimavam
perante as dificuldades financeiras, arrastando-se na miséria e lutando todos
os dias para a vencer? Não viviam quase todos dessa forma, nesse tempo
distante?
Mas o
amor natural de corações bem formados serve de bálsamo a todas as feridas que
surgem perante o lidar incessante e sempre insuficiente para adquirir o que é
necessário, no que há família diz respeito.
Conformando-se
com o destino, muitos chegavam ao lar, ao fim do dia de trabalho árduo, com os
braços quebrados pela dureza da jornada, mas com o coração contente e cheio de
felicidade. Os carinhos da esposa e as meiguices dos filhos faziam esquecer as
inclemências da vida pobre e trabalhosa. Comiam satisfeitos a parca ceia,
rodeados pelos muitos filhos travessos, já sem se lembrarem dessas mazelas do
dia de trabalho.
Porém,
este monstro de quem iremos falar era indiferente a tudo isso. Não tinha alma,
nem coração…
Era
insensível às ternuras da esposa e companheira e aos sorrisos do filho.
Por não
querer trabalhar para dar o sustento à família, meditou em desfazer-se da
mulher e do pobre filho. E esta era a única razão que encontrara. As leis
eclesiásticas e civis desse período não permitiam o divórcio.
Como
podia este monstro descasar-se e despaternizar-se?
Ausentando-se para longínquas terras e abandonando-os, como costumavam e
costumam fazer outros semelhantes a si?
Corria o
dia 27 de Setembro de 1781, quando as uvas já estavam bem sazonadas e se faziam
os preparativos para a vindima. Disse à esposa que um guarda-uvas prometera dar-lhe um cesto delas, devendo ir recebê-lo
naquela precisa noite.
Convida-a
para que o acompanhe a fim de trazer para casa o cesto de uvas, enquanto ele
prosseguia para os olivais onde tinha que trabalhar no dia seguinte, dormindo
entretanto debaixo de um céu sereno e sem nuvens.
As
palavras do esposo tiveram o cunho de sinceridade, como que saídas de um
coração amigo e extremoso. A boa e inocente moça acreditou piamente no convite
do marido e tomando o bebé ao colo com o braço esquerdo, levava um cesto para
as uvas na mão direita. Seguia calmamente os passos do marido que, de mochila e
enxadão às costas, ia meditando ainda sobre o melhor lugar para lhes pôr termo
à vida. Subiram a encosta da Portela, com vinhas à direita e à esquerda nesse
tempo e chegaram ao sítio do pedestal da cruz funerária já descrito. A pobre
mulher estranhou que o seu marido a levasse para os olivais.
- João,
para aqui me levas tu onde já não há vinhas? Não sei como isto me parece…
- Não há
vinhas?! Ainda há vinhas para além para diante e foi lá que me prometeram o cesto
das uvas.
- Ai
Jesus! Isto para aqui mete medo, de noite… - retorquiu a mulher - Até as
sombras das oliveiras parecem homens escondidos. Com moitas de carrascos e
penedos, até se perde o trilho da vereda…
- Tens
medo? Eu não tenho nenhum…
-Ah! Tu
levas-me enganada…
-Enganada,
sim! Eu mesmo, que sou tão amigo de brincadeiras!
A pobre
Teresa ia já bem assustada, não tanto pelo quadro sombrio das fragas que
antevia naquela agreste solidão, mas sim porque o seu coração lhe inspirava
desconfianças do sinistro intento do seu marido.
Continuando
a caminhar pelo atalho que destaca da via pública junto ao pedestal da cruz,
haviam-se adiantado já pela planura da Portela e chegado ao pé de uma colina
que à mão esquerda se levanta entre a planura referida e a estrada de Bencatel
no sítio da Toca do Lagarto.
Nesse
local estava um grande e largo rochedo de superfície quase plana circundado por
algumas oliveiras e moitas de carrasco alvarinho, medronheiros, alecrim e
outros arbustos. Foi este o triste altar destinado para a imolação das
inocentes vítimas.
O abominável
João parou junto dele, pousou a enxada e, arrancando o menino dos braços da
mulher, que lho cedeu pensando que era para o acariciar, pegou-lhe nas perninhas
e deu-lhe violentamente com a cabeça no rochedo… Foi então que a infeliz mulher
acabou de se convencer das tétricas intenções do marido, e soltou um suspiro
profundo do íntimo da alma!
Chorou
revoltada contra o esposo por lhe matar o filho das entranhas de ambos, o seu
filhinho adorado… Mas o selvagem não se deteve a responder-lhe: alçou o
enxadão, descarregou-lho na cabeça e fê-la cair no chão, perdendo os sentidos.
Amiudou os golpes com sanhuda fúria e só quando cessaram de todo os seus suspiros
e gemidos é que se retirou a passos acelerados, parecendo-lhe que alguém o via
e seguia…
II
Tinha
tornado quase à estrada pública perto do pedestal da cruz e ali entendeu dever
suster a sua retirada, para observar se alguma pessoa com efeito dera notícia
do crime horrendo. Parou e estendeu as vistas em redor de si. Não viu ninguém.
Reinava por aquela quebrada o silêncio dos sepulcros e ele folgou no horror das
trevas.
Mas, ao
mesmo tempo, assaltou-o uma dúvida e um temor. A dúvida era se ficara a mulher
inteiramente morta e o temor, que sobrevivendo ela, o denunciaria depois nos
tribunais da justiça. Demorou-se alguns minutos mais, aplicou os ouvidos para o
lugar dos assassinatos e eis que pareceu escutar amortecidos suspiros e gemidos
entrecortados.
Avançou
por isso alguns passos e chegou a distinguir o pranto da desditosa… Todo ele
estremeceu de raiva e de susto!
Adiantou-se
mais ainda para sondar se alguém a rodeava prestando-lhe socorro e por último,
verifica que Teresa ainda sobrevivia e carpia a sua triste sorte e do seu
filho. Estava exulada, rodeando-a tão somente o silêncio da noite. Então o
espírito cruel e sanguinário dita-lhe que não deve deixá-la com vida para não
poder denunciar crimes tão atrozes.
Chegou-se
decididamente à desventurada consorte moribunda, a quem encontrou já sentada no
rochedo com o cadáver do filho no regaço. Descarrega-lhe o enxadão na cabeça
com maior força ainda e não cessa de a massacrar enquanto lhe sentia alguma
respiração. Era já cadáver e ainda lhe moia o peito e a cabeça…
Retira-se
então descansado com a certeza de não viver já a sua mulher, nem o seu filho. E
com passos lentos e pernas trementes desceu da serra encaminhando-se para a sua
casa, muito contente por haver realizado a empresa que planeara com o maior
segredo possível.
III
Entrando
na casa, deparou-se com a solidão que ambicionara, mas esta começa a
produzir-lhe negrumes de horror, pensando nas vítimas que outrora davam luz e
animação à vivenda. Deitou-se no leito nupcial em que sua esposa tantas vezes o
afagara e ele mesmo fora testemunha das gracinhas da inocente criança. Mas esse
leito era já para ele como uma espécie de castigo. Revira-se a cada instante,
fugindo-lhe o sono das pálpebras. Não pode já adormecer com o remorso a
roer-lhe as entranhas e a agitar-lhe o cérebro a lembrança do justo castigo que
as leis então destinavam inexoravelmente aos que não queriam respeitar a
inviolabilidade da vida humana…
João era
um homem grosseiro, sem instrução alguma, nem sequer de ler, escrever ou
contar. Se fora instruído, perpetraria da mesma sorte o negro atentado, porque
a instrução não melhora nem piora o coração dos homens; dá-lhes sim, mais
finura e malícia. E cometendo os projetados assassínios, trocaria as suas
formas brutais e selvagens por meios ardilosos e sorrateiros que o subtraíssem
às investigações dos tribunais de justiça.
No outro
dia não foi trabalhar. Pôs-se à janela com um lenço em redor da cabeça, para
fingir à vizinhança da Rua dos Fidalgos (atual Rua Dr. Couto Jardim) que era a
dona da casa quem ali se via. Mas não acertava no que havia de fazer para
escapar à ação da justiça. Arrepelava-se de não ter enterrado os cadáveres com
a pressa de abreviar a execução da sua empreitada. Os cadáveres (dizia ele
consigo mesmo) seriam encontrados cedo ou tarde e portanto reconhecidos,
cabendo-lhe a responsabilidade ou pelo menos a suspeita de ter sido ele a
tirar-lhes a vida.
Lembra-se
então de fugir para terras longínquas. Deixa a sua morada, fronteira ao
Hospício das Chagas e atravessa o Terreiro do Paço buscando a Porta do Nó. Avança pela estrada de Borba, mas a vista
fica emareada, parecendo-lhe que um rio de sangue lhe intercepta a marcha, como
refere a tradição. Negrumes horríveis lhe entenebrecem o espírito;
fraqueiam-lhe as pernas; quer avançar pela estrada, mas faltam-lhe o ânimo e as
forças.
Instintivamente
voltou o rosto desfigurado, empalecido e agora mais tétrico e horrendo. Tornou
de novo para a vila, metendo-se em casa a simular a sua Teresa, posta debaixo
da adufa, com o lenço branco em redor da cabeça. Pensando sempre em fugir à
imputação do seu crime hediondo, lembra-se de fingir que a esposa lhe tinha
desaparecido, sem ele saber do seu destino. À boca da noite vai a caminho da
casa da sogra e exige que lhe dê conta da filha, pois não a encontrava em casa.
A sogra fica atónita.
Confessou-lhe
a sua ignorância a tal respeito e começou logo a desconfiar das maneiras do seu
genro. Pareceu-lhe que ele não estava de todo em si…
A sua
fisionomia, agora mais desconcertada e repugnante, revelou-lhe que nele se
passava algo de extraordinário. Os seus gestos, agora ainda mais bruscos, as
suas palavras rudes e entrecortadas com um olhar vago e incerto,
denunciavam-lhe uma agitação nervosa, efeito do trágico acontecimento.
A noite
seguinte foi para João ainda mais tenebrosa para roubar-lhe o repouso do
espírito e do corpo. Negava-se o sono a adejar-lhe o leito para lhe trazer
descanso ao corpo e apagar-lhe os fantasmas que via erguerem-se imponentes e
ameaçadores ante o seu espírito atribulado. Levantou-se ainda para fugir de novo
pela estrada de Borba e topou com os mesmos empeços da tarde precedente. Ocorreu-lhe
que algum encantamento o alucinava e atravessa a vila, para buscar refúgio na
porta de São Sebastião[2].
Aqui,
apenas se adianta com a mira posta nas paragens de além do Guadiana em
território espanhol, de novo o assaltam fantasmas ameaçadores e medonhos
espectros o fazem vacilar e estremecer. Encheu-se de terror e fraquearam-lhe as
pernas, impossibilitando-lhe a fuga. Vê-se obrigado a tornar a casa onde as
imagens da mulher e do filho continuavam a aparecer na sua fantasia delirante.
Quando ao
alvorecer do dia surge, já se lhe afigura que é o Alcaide e o escrivão das
Armas que vêm prendê-lo.
IV
Começara
já a correr pela boca da mãe da infeliz da Teresa a notícia do seu
desaparecimento e ao segundo dia, encontrava alguém os cadáveres na Portela. O
fétido do sangue derramado e já podre chamaram a atenção das pessoas que
transitavam pela vereda escabrosa que conduzia à Fonte do Lobo.
Reconheceu-se
facilmente a infeliz consorte de João. A sogra deste correu a inspecionar os
corpos e, certificando-se de que eram os de sua filha e neto, encaminhou-se
dali à presença do Juiz de Fora Miguel Teotónio dos Reis Rocha, para querelar
destes assassínios, denunciando logo como autor deles o seu próprio genro. O
Alcaide da Vara foi logo chamado para ir com o seu Meirinho fazer a diligência
da captura.
Procuram-no
em casa, encontram-no e fizeram-no ir à presença do Juiz.
A mesma
cobardia que tivera em assassinar à traição uma débil mulher e uma tenra
criança de oito meses, teve-a igualmente perante o magistrado. Não precisou
este de empregar rodeios para lhe apanhar a confissão do crime. Vomitou tim-tim
por tim-tim toda a história desta carnificina e o que fez perante a autoridade
administrativa e judicial, fê-lo ainda mais minuciosamente aos seus amigos e
conhecidos.
Metido
logo na cadeia pública, foi ali procurá-lo o seu antigo amo, que o tinha em boa
opinião e que procurou certificar-se da má nova que pusera toda a vila em arrancos
de indignação contra o brutal e feroz assassino.
Declarou-lhe
logo prontamente o preso que era verdade ter cometido os crimes que lhe
imputavam, produzindo talvez o cansaço do seu espírito essa fraqueza que o
comprometia fatalmente.
Perguntou-lhe
com estranheza o patrão quais os motivos que tivera para tão bárbaro e vil
procedimento. João respondeu-lhe secamente que não podia sustentar a mulher e o
filho…
Levantado
no mesmo dia o auto do crime pelo Escrivão da semana em presença do Juiz de
Fora e de dois facultativos, foram os cadáveres conduzidos ao Carrascal e
sepultados logo ali na Ermida de São João Baptista, por não poderem entrar na
vila exalando já um fedor nauseabundo.
V
Correu o
processo do crime os trâmites normais. Interrogaram-se as testemunhas e as
indicações do seu depoimento confirmaram a confissão espontânea do réu. Não
restava dúvida alguma sobre a sua criminalidade e por conseguinte, o Juiz em presença
das leis penais em vigor, sentenciou-o à pena última de morte natural pela
forca e colocação da cabeça em pau levantado na via pública perto do lugar do
crime para espelho dos malvados.
Fez-se a
competente apelação para a Relação de Lisboa. Apareceu então na corte o sogro
de João, instando pela confirmação da sentença. Assim entenderam justo os
Desembargadores e a piedosa Rainha D. Maria I não quis moderá-lo por se não
verem no horrendo atentado circunstâncias algumas que a movessem à compaixão do
réu.
Já este
ao tempo fora transferido para a cadeia do Limoeiro. Ali esteve três dias de
oratório na forma do costume, a fim de se poder penitenciar da vida passada e
não perder a bem-aventurança da futura.
E ao cabo
deles foi pendurado na Viúva do Cais do
Tojo, como o povo chamava à forca ali estabelecida. Antes de lhe meterem o
corpo na tumba da Misericórdia, cortou-lhe o carrasco o pescoço e meteu a
cabeça numa alcofa, para se cumprir a última parte da sentença. Embarcando para
o Alentejo, entrou numa caleça e veio custodiado por escolta de cavalaria até á
nossa vila.
Chegado
aqui, mandou o Juiz de Fora que o Alcaide da Vara com o seu meirinho, o
Escrivão de Armas e o porteiro do geral fossem acompanhar o algoz que, com a
cabeça espetada num chuço, devia percorrer os largos e as ruas mais
movimentadas. Assim se fez.
A voz do
porteiro, com o ditado do Escrivão das Armas, publicou a última sentença do réu
com a exposição da sua cabeça num poste junto à cruz funerária das vítimas da
sua crueldade. Muito povo e principalmente muita rapaziada acompanharam o
séquito do carrasco até ao alto da Portela, onde se arvorou um pau de castanho
com a cabeça espetada nele, para escarmento de quem ousasse praticar
semelhantes feitos.
Isto teve
lugar já no ano de 1782.
VI
Ao cair
da noite, voltava da vila de Redondo o avô paterno do Padre Joaquim Espanca
(que descreveu esta história), Manuel Joaquim da Costa, Espanca de alcunha, insigne oficial de carpinteiro, muito perito em
construções de máquinas e engenhos de madeira, trazendo às costas algumas
ferramentas do seu ofício e nas mãos, algumas outras.
Levava
assim a cruz de pai de numerosa prole, com a resignação que João nunca tivera…
Sabia que
a cabeça do réu havia de ser afixada naquele lugar, mas ignorava que já o fora
naquele mesmo dia. Era já noite escura quando passou pelo local e, enxergando
confusamente a cabeça lá no cimo, transtornou-se-lhe a sua. Um arrepio de susto
percorreu-lhe os membros todos. Eriçaram-se-lhe os cabelos e quase lhe
sacudiram o chapéu da cabeça, conforme confessou depois.
O outro
avô do padre Espanca, José Dias Pereira, costumava passar por aquele sítio para
se dirigir à herdade do Pego da Moura, pertencente ao Mestre de Campo Luís
António de Melo Lobo, de quem era escudeiro, deixou de seguir aquele itinerário,
tomando a partir desse dia a estrada de Maria Henriques.
Quase
toda a gente fugia da estrada da Portela
de Évora com o horror daquele espetáculo, que ainda não tinha sido
esquecido no final do século XIX. E não era por dó do réu. Era unicamente pelo
terror que inspira a morte violenta, única pena capaz de conter os homens
incorrigíveis na ladeira do crime.
VII
Correu o
tempo. A carne do crânio do assassino foi-se desfalecendo. Derreteram-se os
humores com o ardor do sol e correu o pingo pelo poste abaixo até deixar uma
lostra negra no chão. Por fim, restava só a caveira alvejando ao longe, pois
ninguém lhe tocava e as autoridades vigiavam o inteiro cumprimento da sentença.
Ainda
assim descarnada, inspirava tanto ou mais horror do que antes. Quando o vento
sudoeste soprava com certa rijeza, entrando por uma cavidade dos olhos e saindo
por outra, dava o crânio assobios tão fortes que se ouviam em Vila Viçosa
durante o silêncio da noite…
A avó
paterna do Padre Espanca, Gertrudes Vicência da Rocha, disse ao neto que a
ouvia muitas vezes no Rossio e nas Aldeias, quando à luz da candeia fazia serão
de costura…
CÓPIA DO ASSENTO DE ÓBITO
“Teresa de Jesus e seu filho José. – Aos
vinte e sete dias do mês de Setembro de mil setecentos e oitenta e um anos,
faleceu, sendo freguesa desta Freguesia de São Bartolomeu de Vila Viçosa, sem
sacramentos nem testamento, Teresa de Jesus, natural da vila de Redondo, casada
com João Paulo, o qual a levou enganada,
sem motivo algum como o mesmo confessou e lhe tirou a vida nos coutos desta
vila e juntamente com a de um filho de quase um ano de idade, por nome José, o
qual fora baptizado nesta freguesia aos dezasseis dias do mês de Janeiro de
1781 e ficaram sepultados na Igreja de São João, extramuros desta vila. E
por verdade fiz este termo que assino. Era ut supra. O Prior Frei Francisco
Valério Carvalho[3].
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
ESPANCA,
Padre Joaquim José da Rocha, Memórias de
Vila Viçosa, 36 cadernos., Câmara Municipal de Vila Viçosa, Vila Viçosa,
1983 – 1992.
[1] Procurei
por este pedestal em Fevereiro de 2019, mas não o consegui encontrar.
[2]
Um dos acessos da Cerca Nova, um recinto fortificado que envolvia Vila Viçosa e
que desapareceu quase por completo no século XIX. A Porta de São Sebastião
ficava junto das actuais “Aldeias”, a sul do centro histórico
[3] Livro de
óbitos de 1741-93, f. 365 v. que se acha no Seminário de Évora.
Olivais da Toca do Lagarto, no caminho para Bencatel
Sem comentários:
Enviar um comentário